Estudo abre caminho para melhorar o funcionamento cerebral e restaurar a memória a partir da síntese proteica em camundongos
O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa que provoca a diminuição das funções cognitivas e tem como principal sintoma a perda progressiva de memórias. Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), há mais de 35,6 milhões de pessoas com Alzheimer no mundo. A estimativa da União Internacional de Alzheimer é de que esse número vai triplicar até 2050.
Embora ainda não haja cura para a doença, atualmente o tratamento farmacológico auxilia no alívio dos sintomas, mas não é capaz de impedir a progressão. Um grupo de pesquisadores do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis (IBqM/UFRJ) e da Universidade de Nova York (NYU) descobriu que um composto sintético que favorece a produção de proteínas no cérebro é capaz de reativar neurônios e impedir o prejuízo de memória em camundongos. A pesquisa foi publicada na revista científica Science Signaling.
No estudo, os cientistas utilizaram o fármaco Inibidor Integrado de Respostas ao Estresse (Isrib) – composto capaz de estimular a síntese de proteínas, originalmente desenvolvido na Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), em 2013. Inicialmente, o composto havia sido desenvolvido para outras finalidades, mas os pesquisadores decidiram investigar se a substância poderia ajudar no mecanismo de produção de novas proteínas no cérebro dos animais com Alzheimer.
Segundo Sérgio Ferreira, um dos responsáveis pelo estudo, a síntese de proteínas no cérebro é necessária para a consolidação das memórias. Ou seja, quando aprendemos alguma coisa, formamos uma memória que inicialmente dura por um tempo limitado. Para que essa memória seja preservada e dure um tempo mais longo – meses, anos, às vezes uma vida inteira –, é necessária a síntese, a produção de novas proteínas no cérebro, especialmente em pontos de contato entre os neurônios, as sinapses.
“O que já havia sido demonstrado anteriormente por outros estudos é que a síntese de proteínas no cérebro dos pacientes de Alzheimer está prejudicada. Assim, com menos capacidade de produzir novas proteínas, quando se aprende alguma coisa, não é possível consolidar essa memória”, destaca.
Para realizar a pesquisa, foram utilizados dois grupos de camundongos cuja produção de proteínas estava diminuída (reproduzindo o que vemos no caso dos pacientes com Alzheimer). Parte foi tratada com o Isrib, enquanto o outro grupo funcionou como controle. Os animais tratados com o composto apresentaram recuperação da síntese de proteínas no cérebro – tanto foi possível impedir a perda de memória quanto recuperá-la, em caso de déficit.
O pesquisador lembra que, apesar de a doença ser conhecida há mais de cem anos, os avanços científicos mais relevantes começaram há apenas vinte. Dessa forma, ainda não há medicamentos efetivos para curar ou mesmo impedir sua progressão. O tratamento não é capaz de atacar a origem da doença.
“O tratamento, hoje, é sintomático. Em uma analogia: se você tem uma dor de cabeça, você toma um analgésico e aquilo alivia esse sintoma, mas não afeta a causa da dor. Então, se você tiver uma condição que está causando a dor de cabeça, quando o efeito do remédio terminar, ela volta. Ou seja, é um tratamento sintomático – não atinge diretamente as causas da doença. E o defeito na síntese de proteínas no cérebro parece ser uma das causas da doença de Alzheimer. Nosso estudo trabalha nessa frente”, revela.
Entusiasmo com perspectivas, mas também realismo
Em entrevista, Ferreira destaca o entusiasmo com as potencialidades do estudo, porém ressalta que é necessário ter cautela, pois se sabe que muitos tratamentos desenvolvidos para o Alzheimer e outras doenças neurológicas funcionam muito bem na fase in vivo – quando são testados em animais no laboratório –, mas sem a mesma resposta com humanos.
“O cérebro é um órgão muito complexo. E o cérebro de um camundongo é muito diferente do cérebro de um paciente humano. Então, às vezes, a maneira como o cérebro do camundongo funciona permite que determinado tratamento seja eficaz com ele, mas, quando você tenta passar para o ser humano, isso falha”, diz Ferreira.
No entanto, se o estudo de fato funcionar em seres humanos, o pesquisador destaca uma perspectiva bastante inovadora para atacar a gênese da doença ou, pelo menos, um dos mecanismos que dão origem a ela. “Seria uma nova terapia, um novo tratamento”, completa.
Outro ponto levantado por Ferreira é em relação à falta de dados sobre a utilização do Isrib, de forma prolongada, em humanos. Ele indica que o próximo passo da pesquisa será uma abordagem alternativa, com compostos que já são usados para combater outras doenças. “O composto precisa ser muito seguro, não pode ter nenhuma toxicidade, porque senão você vai resolver um problema e criar outros no paciente. E nós temos algumas dicas de compostos que podem funcionar de forma similar. Então, pretendemos tentar testá-los no laboratório.”
Falta de parcerias: um cenário já conhecido
Ferreira, por fim, ressalta toda a dificuldade com que eventualmente os pesquisadores se deparam para fazer os testes clínicos: é necessário, além do aporte financeiro, sólida infraestrutura de pessoal – médicos, enfermeiros e assistentes de pesquisa; uma enorme quantidade de gente para garantir que o ensaio será conduzido da forma apropriada. “Um ensaio clínico é um nível de complexidade e custo muito acima do que é o ensaio em laboratório. E infelizmente nós não temos nem a condição de infraestrutura, nem os recursos para fazer isso.”
Para o cientista, o Brasil produz muitas pesquisas promissoras de ciência e tecnologia. Contudo, a partir do momento em que saem do laboratório de pesquisa básica, faltam parcerias que fomentem o projeto – empresas de biotecnologia, que prosseguirão com o desenvolvimento de um resultado de pesquisa, e grandes farmacêuticas, com fôlego e infraestrutura para realizar os ensaios clínicos.
“Ainda falta esse intermediário, essas empresas de pequeno e médio porte que fazem o meio do campo. E que pegam a pesquisa de laboratório acadêmico e a desenvolvem para agregar valor e depois estabelecem parceria com uma grande empresa farmacêutica para tocar a coisa para o ensaio clínico. Essa cultura aqui no nosso país ainda é muito incipiente”, conclui.
Esta matéria foi feita em colaboração com o programa Sementes da Ciência, da Rádio UFRJ. Você pode ouvir a reportagem abaixo ou acessar o site aqui.