Pesquisadores do Lasa/UFRJ mostram que implementação de gestão programada foi mais efetiva que políticas de fogo zero
Por Sidney Coutinho – Fonte: www.ufrj.br
No auge da estação seca no Cerrado brasileiro, manter os programas de Manejo Integrado do Fogo (MIF) é essencial para evitar que ocorram incêndios com maior frequência, intensidade e extensão, causando graves consequências para a biodiversidade e alta emissão de gases. É o que aponta estudo realizado por pesquisadores do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa/UFRJ), publicado na revista científica Fire e que contou com a participação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Universidade do Estado do Amazonas e da Universidade de Brasília.
Paradoxalmente, a tentativa de proibir e evitar qualquer tipo de fogo foi mais prejudicial para as Terras Indígenas (TIs) no Cerrado do que o período de ausência de políticas voltadas ao tema por parte das instituições governamentais (2003-2007), quando as comunidades indígenas estavam manejando seus territórios sem a interferência do Ibama. Por outro lado, a implementação de programas de MIF, realizados pelo Ibama em parceria com as comunidades indígenas, reduziu a ocorrência de incêndios e melhorou a gestão do fogo.
Conduzido no âmbito do Projeto Andura – financiado pelo CNPq/Prevfogo e com apoio financeiro do WWF-Brasil –, o artigo, publicado neste mês, deixou claro que quando não são feitas as queimas prescritas, as consequências são desastrosas para a biodiversidade, inclusive em áreas protegidas. A implementação de programas de MIF a partir de 2014 foi responsável por uma redução nas regiões atingidas por incêndios em duas áreas indígenas. Em ambas, o manejo reduziu o número de incêndios de médio e grande porte, a intensidade e as emissões de gases de efeito estufa, em comparação ao período em que se implementou uma política de fogo zero (2008-2013). Os programas de MIF são executados hoje em 37 Unidades de Conservação federais geridas pelo ICMBio e 38 Terras Indígenas e Territórios Quilombolas, por meio do Programa de Brigadas Federais do Ibama/Prevfogo.
De acordo com uma das autoras do artigo, a professora Renata Libonati, as “queimadas realizadas na estação de manejo do fogo, que compreende o período das chuvas até meados da estação seca, são mais fáceis de controlar, tendem a atingir extensões muito menores e gerar menos impactos sobre a fauna, flora e emissões de gases de efeito estufa em comparação com os incêndios recorrentes no final da estação seca. Elas são essenciais para criar uma diversidade de históricos de queima na paisagem, formando mosaicos que ajudam a evitar os incêndios.”
Foto: Divulgação
O estudo utilizou dados de satélites para estimar área queimada, tamanho, duração, emissão e intensidade do fogo entre 2003 e 2018 em duas Terras Indígenas no Cerrado: TI Xerente e TI Araguaia, onde os programas de MIF têm sido empregados desde 2014. O período de estudo foi agrupado em três fases de acordo com a política utilizada: ausência de política de fogo (2003-2007), política de fogo zero (2008-2013) e manejo integrado do fogo (2014-2018). Assim, segundo a pesquisadora, seria possível examinar as diferenças nos padrões de queima em função das políticas vigentes.
Libonati explicou que o fogo é um elemento natural do Cerrado: as formações abertas, como campos e savanas, são compostas por espécies que possuem adaptações para tolerar e até mesmo se beneficiar do fogo. Já as formações florestais, como matas de galeria e veredas, são sensíveis ao calor das chamas e não costumam ser atingidas em queimadas controladas de menores proporções.
“Sem o manejo, os ecossistemas são prejudicados ou por eliminar espécies que dependam de queimadas ou pelo aumento da quantidade de vegetação seca, que pode atuar como combustível, dificultando o combate a eventuais incêndios de grandes proporções que atingem as florestas”, esclareceu.