No bicentenário da independência do Brasil, a UFRJ realizou dois encontros que dialogam e nos fazem refletir sobre a questão
Por Vanessa Almeida – Fonte: www.ufrj.br
Em 2022 o Brasil tem, em seu calendário, a marca do bicentenário da independência. O que conhecemos da história é que, em 7 de setembro de 1822, Dom Pedro I executava o grito, às margens do Rio Ipiranga. 200 anos depois, devemos nos perguntar: qual a posição do Brasil em uma efetiva independência? E qual o papel da ciência nesse cenário? Em meio a esses e outros questionamentos, a UFRJ trouxe o tema em dois eventos. A mesa Independência tem a ver com a Ciência? O papel da pós-graduação na reconstrução de um Brasil independente fez parte da programação do Festival do Conhecimento 2022 − do ancestral ao digital, evento organizado pela Pró-Reitoria de Extensão (PR-5) que ocorreu entre 29/8 e 2/9. Foi composta pela líder da Associação de Pós-Graduandos da UFRJ (APG/UFRJ), Natália Trindade, pelo presidente da Associação Brasileira de Pós-Graduandos (ANPG), Vinícius Soares, pela médica especialista em saúde pública e professora da UFRJ, Lígia Bahia, e pelo decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Vantuil Pereira. O doutorando no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV/UFRJ) e membro diretor da APG-UFRJ, Paulo Holanda, esteve na mediação.
Já a mesa O papel da Universidade na (Re)construção da Independência do Brasil foi apresentada no evento Bicentenário da Independência − Rumos do Brasil, organizado pelo Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ no dia 15/9. Participaram do encontro as reitoras Denise Pires de Carvalho, da UFRJ, e Joana Angélica Guimarães da Luz, da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Jerson Lima, e o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine.
O passado reverberando no presente
O passado do Brasil e a grande marca da colonização foi um assunto abordado em ambas as discussões. Na primeira mesa, Ligia Bahia trouxe a reflexão sobre o fato de que nosso país foi colonizado a partir da ideia de “descoberta” de terras que na verdade não foram descobertas, pois já eram povoadas por povos indígenas quando os portugueses chegaram aqui. “O processo de independência só pode ser considerado em países que foram colonizados, como o Brasil”, destacou. Essa colonização deixou consequências que o Brasil carrega até hoje, como a forma como pensamos, inclusive na educação. Na mesa O papel da Universidade na (Re)construção da Independência do Brasil, Helena Nader discutiu sobre o quanto a nossa educação ainda é eurocentrada − o eurocentrismo é a crença de que a Europa é o centro da sociedade, sendo protagonista da história moderna. Por termos sido colonizados por um país europeu, mantemos hábitos, formas de pensar e inclusive de produzir conhecimento baseados na realidade europeia. Uma das críticas feitas em relação à forma de ensinar, como destacou Helena, é que nas escolas e universidades ainda é contada a história baseada na versão do lado europeu. Da mesma forma, a maioria dos autores lidos e estudados em cursos de graduação e pós-graduação também são europeus, o que retroalimenta o pensamento eurocêntrico.
“Precisamos mudar as formas de ensinar as histórias, caso contrário continuaremos sendo eurocêntricos”. Ligia também destacou que é necessário refletirmos que precisamos ter a produção de conhecimento soberano, mas sem esquecer o objetivo de sermos independentes e produzir uma nova realidade, sendo capazes de contribuir para que haja uma mudança nas políticas sociais do país.
Joana Angélica Guimarães da Luz, reitora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), destacou em sua fala que a independência do Brasil foi conquistada em um momento em que a sociedade era dividida entre os livres e os não livres − em 1822 o Brasil ainda era um país escravocrata. A escravização só foi abolida no Brasil em 1888, tendo sido o último país da América a libertar os escravizados. Para Joana, no segundo centenário da independência do Brasil, a divisão continua sendo entre os privilegiados, que colhem frutos do privilégio do passado, e os que não tinham e muitas vezes continuam não tendo direito a nada. A reitora também refletiu sobre como muitas vezes a universidade não é vista como uma perspectiva para os socialmente vulneráveis: “Muitas pessoas não veem a universidade como uma perspectiva, mas sim como algo distante. Não a enxergam como seu horizonte.” Para ela, a troca que acontece dentro das universidades com o acesso de estudantes vindos da periferia agrega conhecimento e gera benefícios também para a própria universidade. “A classe média tem que pensar sobre o que os estudantes vindos da periferia têm a trazer para a universidade.” Joana destacou ainda que o desafio é pensar como a ciência e a tecnologia podem beneficiar a todos, não apenas mantendo os privilégios dos que sempre foram privilegiados e mantendo em vulnerabilidade os que eram escravizados.
Educação como base para o desenvolvimento
Denise Pires, reitora da UFRJ, acrescentou à reflexão questões relacionadas a como o investimento em ciência e tecnologia gera dinheiro e desenvolvimento para os países que têm força na área científica. Denise afirmou que os países desenvolvidos têm essa condição exatamente por focarem em ciência. No Brasil, as universidades públicas têm sofrido cortes em seus orçamentos ao longo dos anos. Para ela, nenhuma outra nação do mundo se tornou independente sem investimentos em educação, ciência e tecnologia.
Já Vinicius Soares, presidente da ANPG, refletiu que a pós-graduação nasceu no Brasil com três objetivos: formar professores − especialmente os graduandos, atendendo a expansão do ensino superior; produzir ciência − 90% da produção científica está na pós- graduação; e assegurar um treinamento em serviço qualificado aos recém graduados. “Esses três objetivos estão diretamente vinculados a qualquer projeto nacional de desenvolvimento. A pandemia mostrou como a ciência define o destino das nações”. Ele destacou ainda que a função social de qualificar os nossos educadores está diretamente ligada ao motor de desenvolvimento do país. “Com a ciência, vamos reconstruir a independência do Brasil, a nossa soberania − alimentar, energética, sobre o nosso território. A ciência cria oportunidades coletivas”, afirmou Vinicius.
As discussões promovidas pela UFRJ destacam o papel primordial da educação − incluindo educação básica, graduação e pós-graduação − no processo de uma independência efetiva do Brasil, que contemple nossa soberania enquanto nação e a necessidade de não deixarmos de fora dessa construção nenhum setor da população.