A Casa da Pedra é um polo interdisciplinar com gestão da Universidade no estado do Ceará
Por Vanessa Almeida e Júlia Silva – Fonte: www.ufrj.br
Santana do Cariri é um município do estado do Ceará com 807 quilômetros quadrados e uma população estimada de 17. 726 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A região é rica em conteúdo fossilífero, graças ao fato de ser uma bacia. Desde 2016, por meio de uma parceria com a UFRJ, o município abriga a Casa da Pedra, unidade vinculada ao Instituto de Geociências (Igeo/UFRJ) criada com a missão de consolidar um projeto de “educação pela pedra”, oferecendo apoio e alojamento para estudantes e professores que realizem trabalhos de campo na região.
Edson Mello, diretor do Igeo, destaca que o instituto é uma das unidades que mais desenvolve trabalhos de campo, já que a formação dos estudantes de Geografia e Geologia pressupõe uma alta carga dessas atividades – que são disciplinas obrigatórias.
A relação entre a Universidade e o município já existe há mais de 50 anos. Muito antes de a parceria ser oficializada, professores da área de Geociências já levavam seus alunos ao local para trabalhos de campo. A Geologia é uma das mais abrangentes ciências naturais: ela estuda a Terra, sua composição, estrutura e evolução do globo terrestre, assim como os processos que ocorrem no seu interior e superfície. Ismar Souza de Carvalho, geocientista, professor da instituição e atual diretor da Casa da Ciência da UFRJ, conta que a infraestrutura para receber os estudantes era uma questão a ser resolvida:
“Sempre tivemos problemas naquela região: a infraestrutura para receber o grande número de alunos e os custos associados a essas atividades de campo, que são parte das disciplinas obrigatórias não só do curso de Geologia da UFRJ, mas também de outras universidades. Então, a partir de um acordo com a Prefeitura Municipal de Santana do Cariri, foi feita a doação de um terreno para a UFRJ”
No local foram construídos um alojamento com 13 quartos – que podem receber 60 pessoas –, cozinha e ambiente para aulas, além de um lugar de convivência coletiva com um redário, onde são realizadas atividades lúdicas em que os alunos deitam-se nas redes e observam a paisagem, as estrelas. O espaço tem uma área de mais de quatro mil metros quadrados e conta também com um salão, que é utilizado pela comunidade local para festas, eventos e exposições de arte. Foi realizada uma parceria com o sistema S (rede composta por nove instituições que realizam atividades de interesse social, entre elas Senai, Sesc, Sesi e Senac) para levar peças de teatro, música e encontros de sustentabilidade. Ismar destaca que essas iniciativas se devem ao fato de a área ser ainda muito isolada das capitais, e era importante se aprofundar em novas questões que fossem além da Geologia.
Toda a casa é feita de pedra, sem qualquer tijolo em sua construção. Élcio Carlos Gomes foi o arquiteto responsável e pensou o espaço no contexto da sustentabilidade, utilizando os resíduos de rocha que eram encontrados na pedreira e que são típicos do tempo do pré-sal, segundo Ismar.
A interdisciplinaridade como base para os encontros
Hoje o local é utilizado por universidades de todo o Nordeste, além da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). A Casa da Pedra é também um espaço interdisciplinar: além das Geociências, o polo também atrai estudiosos do ramo da Meteorologia e abriga a primeira estação do sertão para análise de materiais particulados, e que é gerida pelo Departamento de Meteorologia da UFRJ.
A Escola de Belas Artes (EBA/UFRJ) também já realizou uma imersão no local. Em 2018, um grupo de seis alunos deixou o Rio de Janeiro e muitas certezas para trás e partiu rumo a Santana do Cariri. Gabriel Caetano foi um deles. O estudante conta que se interessa pela Paleontologia – ciência que estuda os seres vivos que habitaram o passado da Terra e se tornaram, portanto, fósseis – desde a época do ensino básico. Assim, estar na Casa da Pedra foi uma oportunidade de unir a antiga paixão ao estudo das Artes. Como estudante do 3º período do curso de Artes Visuais – Escultura à epoca, ele conta que a experiência foi transformadora. “A viagem foi super especial para mim porque foi onde eu cheguei mais próximo de realizar esse sonho de contato com a Paleontologia numa área em que eu nunca imaginei estar”.
Os dez dias de viagem, realizada em um ônibus que pertence à UFRJ (3 dias de ida, 4 dias em Santana do Cariri e 3 dias de volta) fizeram com o que o grupo de alunos se tornasse unido. Gabriel conta que ele foi o encarregado de convidar os amigos que também se interessavam por ciência, e que a amizade continua até hoje. Lá, eles puderam acompanhar as escavações com os alunos de Geologia, mas também visitar museus, pontos históricos culturais e conhecer artistas locais. O estudante ainda destaca que a ida à Casa da Pedra possibilitou que ele tivesse um novo olhar sobre a própria ideia do que é uma rocha: “Essa viagem serviu para ampliar a ideia que eu tinha de rocha – porque um fóssil de peixe, por exemplo, é uma rocha. A matéria orgânica dele se tornou completamente mineralizada. Então isso foi muito especial para mim”. Ele também lembra a diferença entre as regiões, e que o tempo em Santana do Cariri parecia passar de forma diferente.
Gabriel foi acompanhado por Marina Braga, professora do curso de Belas Artes que já tinha articulações interdisciplinares com a área de Geociências. Ela avalia a experiência como interessante e enriquecedora, tanto para ela quanto para os estudante, e destaca que a Casa da Pedra foi construída a partir de uma forte parceria com a comunidade local. Marina garante que a viagem a Santana do Cariri está presente nos seus trabalhos até hoje: “Continua sendo uma experiência que reverbera muito no meu trabalho e no meu pensamento como artista, como pesquisadora e como professora”.
Para o professor Ismar, a ida ao local agrega mais que conhecimento técnico:
“A experiência é muito importante porque possibilita, inclusive, além desse treinamento técnico, a construção de uma cidadania crítica acerca de outras realidades que, apesar de distantes dos grandes centros urbanos, também são elementos importantes da constituição do Brasil e do nosso território”.
Já o professor Edson destaca a experiência trazida por um trabalho de campo realizado em um local diverso: “A gente forma mão de obra qualificada para poder trabalhar em qualquer lugar do mundo. Então não é pelo fato de estar no Rio de Janeiro que se vai estudar só rochas do Rio de Janeiro; ou no Ceará, só rochas do Ceará. Temos que fazer um tipo de treinamento que coloque o nosso estudante frente a múltiplas realidades sociais, culturais, de comportamento, de alimentação e de conhecimento de aspectos distintos da Geologia. Não só da geologia do território brasileiro, mas também de outros países.”
Ele também lembra que o trabalho desenvolvido pela Universidade é uma referência internacional: “Hoje a UFRJ tem um acervo de materiais de coleta de fósseis que é uma referência internacional. Não se trata apenas de uma coleção ou de armazenar aquela espécie numa vitrine. É mais do que isso. É o estudo daquele material. Existe um laço de informação que é muito muito importante. No caso, são fósseis diversos tanto de vegetais quanto de peixes, aracnídeos e aves. Existe uma diversidade muito grande, o conteúdo fossilífero da bacia do Araripe é muito rico. São fósseis muito bem preservados”.
As atividades na Casa da Pedra foram suspensas por causa da pandemia de covid-19 e ainda não foram retomadas. Com os constantes cortes e restrições orçamentárias que a Universidade tem enfrentado, a expectativa e a apreensão são grandes. A criação da Casa da Pedra contou com o apoio da Associação Brasileira de Geólogos do Petróleo, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e da Agência Nacional do Petróleo.