Projeto Musicultura ajuda a valorizar a música brasileira e a identidade cultural da Maré

Pesquisa da UFRJ promove a diversidade musical e o empoderamento da comunidade por meio da música e cultura

Por Deryck Alvez – Fonte: www.ufrj.br

O projeto Musicultura, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, valoriza o potencial da música brasileira por meio de uma pesquisa colaborativa com o conjunto de favelas da Maré. Mais de 15 artigos já foram premiados e vários são reconhecidos internacionalmente. A iniciativa nasceu no laboratório de etnomusicologia da UFRJ e teve início em 2002, com o nome Samba e Coexistência.

Inicialmente, foram abordados diversos cenários do samba no Rio de Janeiro. O objetivo era selecionar uma área da cidade com atividades dedicadas ao samba e uma escola de samba menos conhecida pelo público. Ao longo do tempo, o projeto expandiu-se para se tornar um estudo abrangente sobre a música e cultura brasileiras, destacando a diversidade musical presente na comunidade da Maré.

A escolha da Maré como objeto de estudo contou com a colaboração de um ex-aluno da Universidade residente da região. Segundo o Redes da Maré, a comunidade compreende um conjunto de 16 favelas da zona norte do Rio, abrigando cerca de 140 mil habitantes. Reconhecida por sua rica diversidade cultural, histórica e social, a comunidade enfrenta desafios relacionados à violência, educação e presença do Estado em áreas da favela. Segundo o coordenador do projeto e professor da Escola de Música (EM) da UFRJ, Samuel Araújo, a escolha da Maré como área de pesquisa decorre da abundância musical e cultural presente ali, além da relevância como espaço de resistência e manifestação cultural do povo brasileiro.

Ao longo dos anos, o projeto envolveu ativamente moradores locais, estudantes do ensino médio e universitários da UFRJ em uma pesquisa participativa. A abordagem pedagógica está fundamentada nos princípios da pedagogia dialógica de Paulo Freire, valorizando a construção coletiva do conhecimento e a troca de saberes.

As pesquisas conduzidas pelo Musicultura abordam temas como violência de Estado, distinções raciais e questões de gênero relacionadas à música. O professor explica: “Começamos a fazer esse experimento de trabalhar a partir de questões colocadas pela população local, questões em que os próprios moradores percebessem que eram atravessadas pela música. Elas atravessavam a música”.

Por aproximadamente duas décadas, o grupo Musicultura demonstrou ser mais do que apenas um projeto. Ele evoluiu para um programa contínuo de pesquisas que dialoga com a realidade social e musical da Maré. “Questões como violência, restrições ao ir e vir no espaço da Maré, ligadas à educação, à pouca presença do Estado em regiões de favela, a questão da favelização e como é que essas questões eram atravessadas pela música”, explica o professor.

Os resultados das pesquisas realizadas já foram publicados em periódicos importantes no campo da etnomusicologia e dos estudos musicais. Além disso, o projeto recebeu reconhecimento da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro em 2018, sendo considerado relevante para o interesse público. Seus resultados têm alcançado reconhecimento tanto em âmbito nacional quanto internacional. São citados em encontros acadêmicos e publicados em veículos de alcance global. A valorização da diversidade cultural da música brasileira e o empoderamento da comunidade da Maré revelam-se como aspectos marcantes do projeto.

Com o intuito de ampliar o alcance das pesquisas, o Musicultura empenha-se agora em digitalizar e organizar um acervo físico e virtual, para lançá-lo como recurso de acesso público no próximo ano. Essa iniciativa, financiada pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), possibilitará que o material seja utilizado em aulas de música, trabalhos de iniciação científica e atividades educacionais nas escolas da Maré e regiões próximas. O professor Samuel conta: “Nós vamos percorrer escolas da Maré e instituições próximas dedicadas às artes, à educação, à cultura para difundir esse novo recurso”.

O Musicultura, com sua trajetória relevante, é um exemplo de projetos de pesquisa que compreendem e procuram dar visibilidade à música brasileira e às comunidades. São projetos que colaboram com a descolonização do conhecimento e a valorização das expressões culturais marginalizadas, constituindo-se como uma grande contribuição para o enriquecimento e reconhecimento da diversidade da música. A atuação na Maré mostra a força e o potencial da música como ferramenta de resistência, transformação social e valorização da identidade cultural de uma comunidade vibrante e resiliente. Samuel espera que o projeto seja uma forma de retribuir o apoio da comunidade à pesquisa.

“Esperamos que escolas locais possam dar continuidade ao trabalho iniciado e enriquecer ainda mais esse acervo público com outros desdobramentos dessa presença fortíssima e muito significativa da música na vida social da Maré como um todo. A música produz oportunidades econômicas, produz um senso de pertencimento, produz reflexões agudas sobre a situação dessa área da cidade”, conclui o professor.

Sob supervisão de Vanessa Almeida.