Com mais de 60 anos, eles mostram que a idade é apenas um número quando se trata da vontade de aprender
Por Luna Galera – Fonte: www.ufrj.br
Qual seria a idade certa para começar uma faculdade? A busca pela formação no ensino superior vem crescendo nos últimos anos, não somente entre jovens e adultos, mas também entre o público sexagenário. Segundo dados da Pró-Reitoria de Graduação (PR-1), a UFRJ conta com 326 alunos de graduação com 60 anos ou mais.
Sandra Regina da Cunha tem 63 anos e é aluna de Letras. Nelson Moralle, de 61 anos, está terminando seu mestrado em Direito, ambos na UFRJ. Para eles, o tempo não para e essa história de que há uma idade certa para frequentar a sala de aula já é passado. Os dois são exemplos de que os anos de vida não limitam a vontade de estudar. Assim, Sandrinha e Nelsinho, como são carinhosamente conhecidos, abraçam as oportunidades que a universidade oferece e inspiram outras pessoas a seguirem o mesmo caminho.
O caminho da educação
Impulsionada pelos filhos e por uma curiosidade interna, Sandrinha começou sua graduação na UFRJ em 2020, quando tinha 61 anos. A escolha pelo curso surgiu a partir de uma afinidade com as palavras. Sandra conta que, mesmo não tendo muito conhecimento acadêmico, sempre se encantou em como a literatura é capaz de sensibilizar tantas pessoas e de modo tão singular. A estudante, que mora na Residência Estudantil, diz que se motiva não somente com o curso, mas também com os professores, alunos e o próprio campus.
“Eu não tenho vaidade de estar na universidade. A minha questão é a curiosidade mesmo. É gostar de mergulhar em alguma coisa. Precisava saber o que tinha atrás daquela porta [a faculdade]. Eu queria ser uma pessoa acomodada, mas eu não consigo”, disse Sandra da Cunha, que também compartilhou inseguranças em relação ao futuro como graduada. “O que me angustia é eu estar aqui, usufruindo e aprendendo tudo que der, mas como vou devolver isso à sociedade? Preciso ter um objetivo”, desabafou, ainda incerta sobre qual direção irá seguir quando concluir a graduação.
Nelsinho, músico, quilombola e ativista político, alfabetizou-se com 35 anos. Em 2012, prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e conquistou a nota máxima da redação, além de uma vaga para cursar Direito na UFRJ. Nessa época, o aluno tinha 51 anos e confessa que se sentiu um “estranho fora do ninho” na faculdade. Hoje, a UFRJ não é mais um estranhamento para Nelsinho, que revela o desejo de devolver à sociedade tudo aquilo que a universidade lhe proporciona e continuar estudando.
“Eu tenho consciência disso. Estou dentro de uma universidade pública, com moradia, alimentação…E, sabendo que quem paga isso é a sociedade, qual minha única obrigação? Estudar. Esse é o meu foco, a minha contrapartida”, contou Nelson Moralle, que é beneficiário de moradia e de alimentação pela UFRJ e também recebe bolsa de mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Ambiente democrático
O Estatuto da Pessoa Idosa reafirma o direito da terceira idade à educação e demanda do poder público a criação de oportunidades para esse acesso. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o número de idosos que concluiu o ensino superior cresceu mais de 50% entre 2012 e 2021.
“A universidade abriu essa porta, agora realmente o universo está aqui dentro. Pretos, pardos, brancos, pobres e ricos. E ela foi criada para isso, para que os diferentes se encontrem e busquem devolver para a sociedade aquilo que aprenderam aqui”, ressalta Nelson Moralle sobre a importância das cotas na faculdade.
A sala de aula deve ser um ambiente diverso que propicie a integração entre diferentes histórias e estilos de vida. Nesse sentido, Beatriz Satriani, de 25 anos, estudante de Letras e colega de Sandrinha no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), fala sobre a relação de troca que o encontro de gerações dentro na universidade proporciona. “Às vezes, eu ajudo a Sandra mais com a questão de informática e de criar slides e ela traz as histórias e tudo mais. É engraçado porque, toda vez que a gente se encontra, ela sempre conta algo novo, alguma coisa que ela já viveu. É uma experiência muito legal, muito enriquecedora mesmo”, disse Beatriz.
Nelsinho e Sandra não deixaram que o tempo os parasse e decidiram investir em educação. Eles demonstram e encorajam que nunca é tarde para começar algo em que se acredite, inclusive os estudos. Estereótipos que condenam a imagem da pessoa idosa na universidade perdem força quando jovens, como Beatriz, reconhecem que o aprendizado a partir do outro pode ser gratificante. O encontro de diferentes gerações constrói pontes a uma sociedade mais inclusiva e empática.
Este texto é resultado das atividades do projeto de extensão “Laboratório Conexão UFRJ: Jornalismo, Ciências e Cidadania” e teve a supervisão da jornalista Vanessa Almeida da Silva.