A retomada da cultura no pós-pandemia

Após quase dois anos apenas com eventos online, setor tem encontrado possibilidades presenciais com segurança

Por Tassia Menezes e Giovana Gimenes

Um dos setores mais afetados pela necessidade de isolamento social causada pela pandemia do novo coronavírus foi o setor cultural. Shows, peças de teatro, lançamentos de filmes e eventos em geral tiveram de encontrar outras formas de acontecer, por meio de transmissões ao vivo e das famosas lives, por exemplo. Responsável por cerca de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, de acordo com a Firjan, a estagnação no setor gerou muitas demissões e prejudicou artistas, produtores e empreendedores.

Pesquisa realizada entre julho e setembro de 2020 pelos pesquisadores Pedro Affonso, Rodrigo Amaral e André Lira com parceria de instituições como Unesco e Sesc, mostra que artes cênicas, feiras e festivais, moda, hip-hop e música foram os mais afetados pela pandemia dentro do setor de economia criativa. O levantamento aponta ainda que, ano passado, cerca de 40% das organizações demitiram todos os seus empregados. Quando se fala em contratação de terceiros, houve uma redução de 43,16% no período de março a abril. Entre maio e julho, esse número aumentou para 49%. O setor de festivais e feiras foi o mais impactado.

Quase dois anos após o primeiro caso registrado da doença e com mais de 56% da população brasileira vacinada, aos poucos a cultura vai dando passos em direção à retomada dos encontros presenciais. Em meio a esse movimento, as instâncias culturais da Universidade também estão atuando. Entre 31/10 e 29/11, o Parque Lage está recebendo a exposição da VIII Bienal da Escola de Belas Artes (EBA) da UFRJ. O evento, que neste ano é intitulado “Mutações”, como reflexo da situação pandêmica e das adaptações pelas quais a sociedade precisou passar em decorrência dela, acontece das 9h às 17h. A coletiva reúne 58 obras de alunos dos cursos de graduação e de pós-graduação, num extenso leque de estilos, perspectivas e técnicas variadas.

“O termo ‘Mutações’ refere-se ao ato ou efeito de mudar, podendo também ser entendido como a possibilidade de trocar de ideia, de inconstância e volubilidade”, explica Madalena Grimaldi, diretora da EBA. Os curadores selecionaram obras que se enquadram nas múltiplas conexões e possibilidades que o tema sugere, trazendo diferentes olhares, com trabalhos que abarcam Artes Visuais e Design. São desenhos, pinturas, esculturas, instalações, vídeos e fotografias que perpassam o campo das mutações.

Obra de Rodrigo Westin presente na exposição Mutações. | Foto: Divulgação

Segundo Irene Peixoto, diretora adjunta de Cultura da EBA, as atividades artísticas são promotoras de experiências singulares, o que reforça a importância da retomada delas em sua forma presencial. “As obras expostas na VIII Bienal da EBA apontam para questões importantes da contemporaneidade e de forma lúdica nos convidam a refletir sobre o mundo à nossa volta”, defendeu ela.

A cidade do Rio de Janeiro atingiu, no começo de novembro, a marca de 70% da população vacinada completamente, com duas doses ou uma dose única. Esses números têm colaborado na manutenção da baixa de casos e de óbitos pela doença e auxiliam no retorno gradual dos eventos presenciais com mais segurança. Nesses moldes, casas de shows, como o Circo Voador, voltaram a receber espetáculos, com capacidade reduzida. Grandes festivais e eventos, como a Bienal Internacional do Livro do Rio e o Rock in Rio também já têm data anunciada para dezembro de 2021 e setembro de 2022, respectivamente.

Manutenção do formato online 

No entanto, após tantos meses ajustando seu funcionamento para o online, alguns projetos ainda permanecerão dessa forma por algum período. É o caso da Grande EnCircopédia Virtual do Bossa Criativa, iniciativa que vai reunir histórias e especificidades da vida no circo de famílias que há muitas gerações se dedicam ao exercício da arte do picadeiro, ramo particularmente atingido pelas limitações impostas pela pandemia. O projeto é inspirado no livro homônimo da pesquisadora circense e autora Sula Mavrudis – que também faz a curadoria do projeto

Desde 29/10, os primeiros vídeos verbetes começaram a ser liberados, produzidos em grande parte pelos próprios artistas, e por vezes com limitações técnicas que refletem a precariedade em que atuam. A iniciativa faz parte do programa Arte de Toda Gente, uma parceria entre a Fundação Nacional de Artes (Funarte) e a UFRJ, por meio de sua Escola de Música (EM). Os vídeos estarão disponíveis no site www.bossacriativa.art.br e no canal Arte de Toda Gente, no YouTube.

Em cada um dos 87 vídeos previstos, há registros de famílias inteiras, nômades que fazem do circo sua arte, seu ofício e sua casa, carregando mundo afora suas empresas e moradias, preservando e perpetuando uma cultura e um modo de vida  singular. Os registros contemplam a grande diversidade de números artísticos compreendidos pelo circo e desvendam um pouco do “outro mundo” que existe atrás da cortina que separa o picadeiro das moradias circenses, dos trailers e das carretas, além de retratar as inseguranças e desafios que esses profissionais enfrentam.