Há 75 milhões de anos ocorreram os paleoincêndios, influenciando significativamente nas mudanças das plantas locais
Por Sidney Coutinho – Fonte: www.ufrj.br
Pesquisadores de diferentes instituições brasileiras, entre elas o Museu Nacional da UFRJ, em parceria com o Senckenberg Research Institute (Alemanha), apresentaram estudo que confirma a ocorrência de paleoincêndios na Antártica. A pesquisa foi divulgada no dia 20/10, na revista Polar Research. A descoberta ocorreu em afloramentos da Formação Santa Marta, unidade geológica que há na parte nordeste da Ilha James Ross. Os fósseis coletados, entre 2015 e 2016, chamaram a atenção dos pesquisadores por serem fragmentos de plantas com características de carvão vegetal, mas que estavam desgastados devido ao tempo de exposição.
As evidências fósseis de troncos e lenhos vegetais são encontradas por toda a Antártica, o que já indicava sua composição florestal durante o período Cretáceo (aproximadamente entre 85 e 70 milhões de anos). A novidade foi indicar indícios de que essa vegetação também era acometida por incêndios espontâneos. O estudo apresentado traz evidências não só de que a Antártica, há 75 milhões de anos, era verde, como também sugere um clima mais quente para essa região no passado. No período Cretáceo, o continente Antártico estava se separando das demais massas continentais e tinha vulcões que afetaram diretamente a região.
A extensa atividade de incêndios florestais durante o Cretáceo afetou diretamente a composição das comunidades de plantas, influenciando significativamente nas mudanças paleoecológicas em diferentes ambientes do planeta. Para a paleontóloga Flaviana Lima, “a descoberta amplia o conhecimento sobre a ocorrência de incêndios vegetacionais durante o Cretáceo, mostrando que episódios assim eram mais comuns do que se imaginava, além de representar uma contribuição significativa para os estudos paleobotânicos em todo o mundo”.
Inúmeros registros de incêndios florestais intensos no mundo inteiro têm sido feitos, sobretudo em camadas formadas na parte superior do período Cretáceo. A maior parte desses registros, porém, são do Hemisfério Norte, sendo poucos os registros para o Hemisfério Sul. Apesar de o Cretáceo ser considerado um intervalo no qual paleoincêndios foram comuns em escala global, ainda há poucos registros de macrocharcoal − que são as principais evidências desse fenômeno natural − descritos no Hemisfério Sul.
A análise do material foi realizada em laboratório com o uso de microscópio eletrônico de varredura que mostrou detalhes anatômicos muito bem preservados, incluindo paredes celulares homogeneizadas. O carvão vegetal macroscópico ou macrocharcoal é uma evidência direta de paleoincêndios e de que o material analisado queimou suficientemente para unir as paredes celulares da planta. A partir dessa análise, foi possível afirmar que esse material pertencia ao grupo de plantas denominado gimnospermas, mais especificamente de uma família botânica chamada Araucariaceae – mesma família que inclui a espécie atual Araucaria angustifolia.
Agora, os pesquisadores estão focados na busca de novos registros de paleoincêndios em outras localidades da Antártica”, explica o paleontólogo Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional/UFRJ. No ponto de vista dele, “essa descoberta mostra que as variações climáticas que ocorreram ao longo do tempo trazem profundas mudanças no planeta como também em toda a biota. Isso acende um importante alerta diante das mudanças climáticas que são evidentes na atualidade. A dinâmica paleoflorística da Antártica é essencial para a compreensão das mudanças que ocorreram nos ambientes de alta latitude do Hemisfério Sul durante o Cretáceo. Afinal, nessa região também é possível visualizar uma exuberante vegetação dominada por coníferas (gimnospermas) que foi gradualmente substituída por uma assembleia dominada por angiospermas (plantas com flores e frutos)”.
Participaram do estudo pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Museu Nacional/UFRJ, Universidade do Vale do Taquari (Univates), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Centro Paleontológico da Universidade do Contestado (Cenpaleo) e Universidade Regional do Cariri (Urca).