No Dia Mundial do Rádio, especialistas refletem sobre a atual relevância do meio de comunicação e sua expansão em novos formatos.
Por João Guilherme Tuasco – Fonte: www.ufrj.br
Ruídos estranhos estavam saindo de uma caixinha preta no quarto de um padre da Paróquia de Sant’Ana, em São Paulo. O que poderia ser bruxaria era um protótipo do que viria a ser o rádio. Em 1893, o padre Landell de Moura, dedicado às Ciências, criou um transmissor de ondas de rádio hertzianas. Seis anos depois, ele fez a primeira demonstração pública de voz transmitida através do equipamento. Mais de um século se passou e a invenção do padre brasileiro se mantém atual. Neste 13/2, quando se comemora o Dia Mundial do Rádio, são mais de 10 mil emissoras AM e FM em funcionamento no Brasil, segundo o Ministério das Comunicações.
Por muito tempo, a transmissão de código morse por ondas, feita em 1896 pelo italiano Guglielmo Marconi às autoridades britânicas, foi considerada o primeiro protótipo de rádio, mas o brasileiro foi o primeiro a transmitir voz. E ouvir a voz que saía de uma caixa fez do rádio o companheiro de muitos brasileiros até os dias atuais. Segundo a pesquisa Inside Radio 2022, do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), 83% da população de treze regiões metropolitanas do país ouvem rádio.
Com a internet, a produção radiofônica transformou o meio tradicional em rádio expandido. O conceito é empregado pelo professor Marcelo Kischinhevsky, diretor do Núcleo de Rádio e TV (NRTV) do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ (FCC/UFRJ), que afirma: “o rádio, na verdade, vai muito além das ondas. Ele não está aprisionado no seu suporte porque é uma forma de comunicação de base sonora”.
Nesse sentido, o consumo de podcasts – conteúdos sonoros semelhantes a programas de rádio – é expressivo no Brasil. Segundo levantamento da consultoria Statista, o país é o terceiro maior consumidor dessa mídia, à frente dos Estados Unidos e do Reino Unido, por exemplo. São mais de 41 milhões de brasileiros que ouvem podcasts pela internet, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios de 2021, desenvolvida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). A possibilidade de ouvir um conteúdo sob demanda, poder pausar e ouvir de novo é um grande atrativo desse novo formato.
“Hoje, você não vai esperar tocar na rádio aquela música que você gosta, porque ela não vai tocar. Você pode entrar em qualquer aplicativo de música e botar para tocar. Então, você não precisa mais ter a mídia”, afirma Ruy Jobim, locutor e fundador da Escola de Rádio.
O Rádio no Brasil
Ainda que Landell de Moura tenha apresentado o rádio em 1893, sua invenção não foi reconhecida pelos influentes da época. Isso aconteceu somente após o desenvolvimento dos aparelhos radiofônicos nos Estados Unidos, quando a empresa Westinghouse trouxe exemplares para que a população pudesse ouvir o discurso do presidente Epitácio Pessoa em 7 de setembro de 1922. Com este marco, o rádio no Brasil completou, oficialmente, 100 anos. Apesar disso, estudos apontam que a Rádio Clube de Pernambuco já realizava transmissões desde 1919.
Nas décadas de 1930 e 1950, conhecidas como a “Era de Ouro” do rádio, o meio de comunicação se expandiu pelo país. Getúlio Vargas, vendo o potencial propagandista do veículo, impulsionou concessões de radiodifusão. Entre 1923 e 1940, foram criadas 70 emissoras, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). À época, os teatros – onde ocorria a transmissão – alcançavam lotação máxima de público, especialmente para programas de auditório, e inúmeros artistas fizeram fama no rádio. Entre as estrelas desta era estão Carmen Miranda, Dalva de Oliveira, Emilinha Borba e Cauby Peixoto.
As radionovelas também fizeram sucesso. Os capítulos eram discutidos entre os ouvintes, que aprovavam ou reprovavam as ações dos personagens. A jornalista Patrícia da Veiga, diretora de jornalismo da Rádio UFRJ, acredita que a oralidade do rádio permite despertar imaginários: “O áudio constrói paisagens. É aquela coisa do ‘fecha os olhos e vamos ouvir e imaginar juntos’. Eu acho que a oralidade, quando chega na ponta da cadeia e está se apresentando para o público, traz um lirismo e também a possibilidade de um diálogo direto com esse público”, explica.
Além da diversão, o jornalismo também ocupava boa parte da grade horária. Com um radiojornalismo revolucionário, a Rádio Nacional trouxe o “Repórter Esso”, que veiculava importantes notícias, inclusive internacionais, durante cinco minutos, por quatro vezes ao dia. O programa, que era “testemunha ocular da história”, foi líder de audiência até seu fim, em 1968, por conta da ditadura militar.
Com a chegada da televisão em 1950, o rádio entrou em crise e passou por diversas transformações. Em 1970, a Rádio Cidade propunha um novo formato de locução: o “nó da gravata” foi afrouxado e a comunicação ficou mais conversada. E é essa informalidade que conquista os ouvintes de podcasts. Por causa da nova mídia, o rádio tradicional se equipara com outros meios de comunicação e deverá ser cada vez mais fragmentado, segundo Ruy Jobim.
Futuro do rádio
Com o rádio expandido, os limites entre o que é radiofônico e o que é podcast não existem. Um produto pode ser veiculado nas duas mídias. A série jornalística Praia dos Ossos, que narra o assassinato da socialite Ângela Diniz pelo namorado Doca Street, foi veiculada na UNIFM, emissora da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e está disponível na maioria dos agregadores de podcast. Segundo Marcelo Kischinhevsky, existe demanda por conteúdos assim “na antena”.
A produção é uma das mais famosas da Rádio Novelo, produtora e desenvolvedora de podcasts: alcançou três milhões de downloads em apenas dois anos. Ao todo, suas séries contam com mais de 30 milhões de downloads. O sucesso dos podcasts da empresa está ligado à apuração jornalística, à construção da narrativa e à sonorização, o que garante uma imersão na história. Além disso, Guilherme Alpendre, diretor-executivo da Rádio Novelo, acredita que o êxito também está atrelado a um processo histórico da comunicação.
“As pessoas gostam de ouvir histórias, elas gostam de alguém que vem e lhes explica algo de uma forma que não seja uma aula, que seja uma contação de história, com começo, meio e fim, com um fio narrativo”, defende.
A UFRJ no rádio
O Fórum de Ciência e Cultura (FCC/UFRJ) criou em 2019 a Rádio UFRJ, multiplataforma e educativa. São 40 programas, dentre eles o boletim de notícias do Conexão UFRJ. A iniciativa de levar o site de notícias da Universidade para a mídia sonora surgiu da jornalista Patrícia da Veiga, que integrava a Superintendência-Geral de Comunicação Social (SGCOM) da UFRJ. Segundo ela, o boletim é uma forma de “tentar cumprir o papel da Universidade de falar com um público mais diverso, romper e ir além dos seus muros”.
O consumo de rádios on-line cresceu 186% entre 2019 e 2021, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2021. Embora promissor, o plano do diretor do Núcleo de Rádio e TV é de colocar a Rádio UFRJ no FM ainda este ano, o que ampliará o número de ouvintes. “Vamos falar para a sociedade que a universidade está aberta. A gente não está de costas para vocês”, concluiu Kischinhevsky.
O programa do Conexão na Rádio UFRJ estreia nova temporada em 6/3.