Na segunda matéria da série Vacinas, veja como os imunizantes induzem a produção de anticorpos e a criação de uma memória celular
Por Carolina Correia
Quando um bebê nasce, seu sistema imunológico ainda é extremamente frágil. Embora venha acompanhado da imunidade inata, formada durante a gestação, boa parte de seu sistema imune só será formada nos anos seguintes a partir do contato com vírus, bactérias, outros patógenos e, também, com as vacinas.
Ao longo da vida, as pessoas entram em contato com uma série de possíveis causadores de doenças. Algumas vezes esses corpos estranhos provocarão infecções; em outras, apenas circularão pelo organismo. Entretanto, muitos deles evoluíram, tornando-se resistentes à resposta imune inata, de modo que sua eliminação exige a atuação de mecanismos mais poderosos. No caso das vacinas, é necessário o contato do nosso organismo com antígenos – substâncias desconhecidas pelo corpo humano que ativam o sistema imune para produzir anticorpos e combatê-los.
“O corpo reage à vacinação por meio da identificação desses antígenos, produzindo seus anticorpos e desenvolvendo uma imunidade celular para buscar enfrentar esse desafio”, explica Guilherme Werneck, imunologista e professor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (Iesc).
Desde antes do século XVIII – quando Edward Jenner descobriu a vacina contra a varíola – até hoje, cientistas por todo o mundo estudam patógenos para entender como funcionam e podem ser combatidos. Sarampo, poliomielite, varíola, ebola, meningite, gripe e muitas outras doenças foram extintas ou atenuadas por imunizantes.
Quando um novo vírus surge no mundo, um alerta é disparado. Ninguém possui imunidade contra esse patógeno, nenhuma vacina é capaz de combatê-lo, nem mesmo os medicamentos podem ser eficazes. Esse foi o caso da pandemia da COVID-19, até pouco tempo atrás. O Sars-CoV-2 surgiu no final de 2019 e, devido à alta capacidade de transmissão, se espalhou pelo planeta em poucos meses. No momento, mais de 2 milhões de pessoas morreram no mundo, 235 mil apenas no Brasil.
Conforme já abordado na primeira matéria da série Vacinas, os cientistas uniram-se para criar, em tempo recorde, imunizantes capazes de proteger a população. Mas como eles atuam no corpo humano e combatem o vírus?
Imunogenicidade: a palavra-chave
Muito utilizado por pesquisadores e popularizado durante a pandemia, o verbete pode até ser um palavrão difícil de se falar, mas é a chave para entender como as vacinas criam proteção por meio de substâncias muitas vezes originadas do próprio agente causador da doença. Em síntese, imunogenicidade é o potencial que a vacina ou outro medicamento tem de produzir anticorpos e imunizar o paciente.
Segundo Werneck, quando o antígeno presente na vacina – de vírus inativado, vetor viral ou RNA mensageiro – entra em contato com o organismo, o sistema imune é ativado e responde, desenvolvendo os anticorpos necessários para combater o vírus.
“Esses anticorpos circulam no sangue, produzidos em resposta à infecção ou vacina. São capazes de reconhecer os antígenos que estão na superfície do micro-organismo e de aderir a eles, impedindo sua entrada na célula. É o que chamamos de imunidade humoral”, conta.
A resposta imune não depende, porém, apenas de anticorpos. Existe também o conceito de imunidade celular. Um grande exército de soldados invisíveis – células que participam do reconhecimento desse micro-organismo e da defesa contra sua multiplicação – é agente importante para evitar o contágio. Dessa forma, além de induzir a produção de anticorpos específicos para combater a doença, o ideal é que as células guardem uma memória imunológica contra esse micro-organismo.
“Uma vacina que estimula a resposta celular faz com que essas células fiquem com a memória daquele desafio. Se algum dia, daqui a quatro anos, a pessoa entrar em contato com o vírus, será possível acionar seu sistema imune a partir daquela memória imunológica e iniciar, então, uma resposta para combatê-lo”, completa o epidemiologista.
Vacina não é passaporte para liberdade
Após a imunização, se o indivíduo entrar em contato com o coronavírus, o corpo vai identificá-lo e impedir que invada as células. Caso não consiga combater totalmente a infecção, será capaz de evitar que o vírus se desenvolva provocando uma forma mais grave da doença. No entanto, isso não significa que estamos completamente protegidos.
“Apesar de não impedirem totalmente a infecção e o desenvolvimento da forma grave, as vacinas reduzem drasticamente essa probabilidade. Isso quer dizer que ser vacinado não é uma garantia completa de que não vai ter infecção, a doença ou uma forma grave, mas a vacina faz com que a chance de desenvolver esse último quadro seja muito diminuída”, ressalta o professor.
Werneck destaca ainda que a vacina é uma grande vitória da comunidade científica e para todos nós. É um passo enorme na batalha contra o coronavírus, sem ser, contudo, um passaporte completo para a liberdade. “É muito importante que nos engajemos não só na vacinação, mas na divulgação e na manutenção dos cuidados de proteção individual”, conclui.
Até que a vacinação atinja a maior parte da população e os casos e óbitos diminuam bastante, os cuidados de proteção individual devem continuar sendo respeitados: usar máscara, higienizar as mãos e manter o distanciamento social. Essas são as únicas medidas eficazes para diminuir a circulação do vírus.
Cuidado com as fake news!
Ao mesmo tempo que se iniciaram as pesquisas para o desenvolvimento de uma vacina contra o coronavírus, surgiu uma série de informações falsas, as fake news: microchip embutido na vacina, modificação do DNA etc. São notícias que podem gerar graves danos à divulgação da ciência no país.
Para Werneck, é importante conhecê-las, e não as minimizar, pois o papel da universidade é justamente o de informar, da forma mais acessível possível, os avanços científicos – o objetivo desta série.
Uma das notícias falsas mais recorrentes é a de que o imunizante pode provocar modificações e edições no DNA. Werneck, no entanto, explica que o nosso DNA é muito sólido e protegido no núcleo – só pode ser alterado em procedimentos muito específicos. “No caso de vacinas, os imunobiológicos não interagem com o DNA, então não há a mínima condição de alterá-lo ou incorporar informação dentro dele”, completa.
“As vacinas são seguras. Podem provocar alguns sintomas leves, como dor e sensibilidade locais, porém, até o momento foram bem toleradas, sem nenhum tipo de reação adversa com gravidade”, conclui.
As fake news, sem base científica, só servem para estimular ideias conspiratórias e afastar as pessoas da única proteção que elas têm hoje contra a infecção. Acreditar na ciência, no SUS e na vacina é primordial!
Série Vacinas
Como as vacinas agem no corpo?
Fonte: www.ufrj.br