Profissionais da UFRJ avaliam o potencial dos parques naturais fluminenses para o desenvolvimento de opção de atividade turística
Por Sidney Rodrigues Coutinho – Fonte: www.ufrj.br
Com o apoio do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), profissionais do Observatório do Valongo (OV) e do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro uniram-se para avaliar o potencial dos parques naturais no estado do Rio para o desenvolvimento de uma nova atividade turística: o astroturismo. “É um turismo sustentável e essencialmente de busca pelo conhecimento, em que o resgate do contato da humanidade com o céu estrelado é o objetivo principal”, afirmou o astrônomo Daniel Rodrigues Costa Mello, que coordena os projetos de extensão do Valongo.
Para o professor, o astroturismo é um segmento emergente do turismo científico, que pode estar associado ao ecoturismo ou ao turismo cultural. “Ele se caracteriza por proporcionar ao turista atividades de observação astronômica em observatórios ou mesmo ao ar livre, agregando às suas ações o contato com a natureza, a valorização cultural, a divulgação da ciência e a preservação ambiental”, resumiu.
Embora o astroturismo possa ocorrer em observatórios e planetários espalhados por inúmeras capitais brasileiras, segundo Mello, “para uma boa observação longe das luzes artificiais que ofuscam o brilho natural dos astros, o ideal é buscar locais que são genericamente conhecidos como ‘locais de céu escuro’ (dark sky places). Nesses pontos é possível o resgate ao céu noturno ancestral, aquele que existia antes do uso excessivo da iluminação artificial, onde os mitos celestes habitavam as manifestações culturais dos povos antigos e a Via Láctea podia ser vista de qualquer lugar”.
A fim de impulsionar a atividade e a divulgação da ciência em uma experiência imersiva e de contato íntimo com a natureza, no começo de 2021 foi criado o projeto de pesquisa Astroturismo nos Parques Brasileiros. Ele utiliza, em um primeiro estágio, parques e reservas fluminenses como “laboratórios”. Para estudar esses parques e reservas em potencial, são realizados trabalhos de campo com o Sky Quality Meter (SQM), aparelho que mede o brilho do céu e indica o quanto está degradado pela poluição luminosa. “A equipe atual do projeto tem cinco integrantes e é bastante interdisciplinar. Além de mim, contamos com a presença do geógrafo Ricardo Cesar, da UFRJ, de uma guia de turismo, a Fabíola Gomes, da Agência Astrotrilhas, da turismóloga Ester Pontes e Silva, da UFRRJ, e do astrofotógrafo Igor Borgo, também da UFRJ”, contou Mello.
Na metodologia empregada, os pesquisadores checam as condições ambientais e estruturais, os equipamentos turísticos disponíveis e obtêm registros fotográficos do céu estrelado. “Fazemos um levantamento considerando a geografia e a climatologia local, analisando, por exemplo, mapas meteorológicos e as condições de nebulosidade ao longo do ano. A análise turística passa pelas etapas de verificação das condições de hospedagem, alimentação, acesso e estrutura das cidades no entorno dos parques e do impacto positivo que o astroturismo pode ter nesses locais, mesmo em nível econômico e social. A última etapa, e não menos crucial, refere-se ao uso da astrofotografia para revelar a beleza do céu noturno nos parques, contribuindo para a divulgação da astronomia e a promoção turística dos locais para um público cada vez mais interessado nesse tipo de turismo”, detalhou o astrônomo.
A International Dark-Sky Association (IDA) foi criada na década de 1980 para acompanhar o problema da poluição luminosa e se tornou referência na certificação dos melhores pontos do planeta para observação celeste ideal. Sobre esses pontos, Mello revelou que, embora ainda pouco explorado, o Brasil possui potencial para esse turismo em grande parte de seu território. “Regiões de clima mais seco e com maiores altitudes destacam-se por oferecerem a melhor transparência do céu e menores volumes anuais de chuva e/ou nebulosidade. O grande potencial reside, especificamente, nas unidades de conservação da natureza que, em sua maioria, oferecem condições de céu escuro, infraestrutura turística e segurança. Ações concretas começam a ocorrer no país para explorar esse potencial.”
Parque Estadual do Desengano
Localizado entre os municípios de Santa Maria Madalena, Campos dos Goytacazes e São Fidélis, o Parque Estadual do Desengano (PED), no Rio de Janeiro, completará em dezembro o primeiro aniversário como local pioneiro da América Latina, conforme certificou a IDA. É denominado um Dark Sky Park (parque de céu escuro, em tradução livre), ganhando reconhecimento internacional como unidade de conservação de qualidade excepcional para a observação de noites estreladas e um ambiente noturno protegido que valoriza o patrimônio científico, natural, educacional, cultural e social.
O parque abrange a área de 21.365,82 hectares e é um refúgio para diversas espécies da flora e fauna remanescentes da Mata Atlântica original. Seu nome foi escolhido em decorrência do ponto culminante, o Pico do Desengano, com 1.761 metros de altitude. De acordo com Mello, recente lei estadual de promoção ao astroturismo no Rio criou a Semana Comemorativa do Céu Escuro, que acontece em Santa Maria Madalena, considerada a Cidade das Estrelas e um dos municípios inseridos no Parque Estadual do Desengano. “O evento ocorre durante o inverno, mas a data depende das condições e de fase da Lua”, explicou.
Novas áreas para o astroturismo
Embora tenha nascido essencialmente como pesquisa, o projeto Astroturismo nos Parques Brasileiros sofreu uma guinada a partir de março de 2022, quando a equipe foi convidada a oferecer uma sessão de observação astronômica pública na sede do Parque Estadual dos Três Picos, em Cachoeiras de Macacu. Com o êxito do evento, outros parques interessaram-se também em promover sessões públicas de observação astronômica.
De acordo com Mello, geralmente cada sessão passa por três etapas. Na primeira, a equipe aborda a história da astronomia e importância dela para a humanidade, apresentando o céu a olho nu, com a utilização de um apontador estelar − instrumento simples que delimita as áreas avistadas. A beleza do céu estrelado é revelada em detalhes na segunda etapa, quando planetas, nebulosas e a Lua podem ser vistos com telescópios da equipe. Na última etapa, câmeras fotográficas registram a exploração do céu estrelado: “A astrofotografia é uma poderosa ferramenta para encantar os olhos e mostrar como a tecnologia aplicada à astronomia também faz parte do dia a dia das pessoas”.
Com o tempo, a abordagem nas sessões foi aperfeiçoada com o acréscimo de recursos audiovisuais às apresentações. Em algumas ocasiões, sessões de interpretação ambiental e geoturismo passaram a complementar as atividades astronômicas. “Ao longo de toda a atividade, propomos ao público um bate-papo sobre o risco da perda do céu estrelado devido ao aumento da poluição luminosa e seu impacto ambiental. Aos poucos o projeto de pesquisa passou a ter também um viés de projeto de extensão universitária. Em junho de 2022, ele se tornou a referência para a criação do Programa Vem Ver o Céu, uma iniciativa do Inea para promover o astroturismo nos parques estaduais fluminenses.”
De acordo com o professor do OV, a proposta original tinha a previsão de realizar o trabalho de campo em cinco parques nacionais e 11 estaduais do Rio de Janeiro ao longo de 24 meses. “No atual estágio, tanto para as sessões de observação pública quanto de pesquisa, já visitamos o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, o Parque Natural Municipal Montanhas de Teresópolis, a Área de Proteção Ambiental da Restinga de Maricá e os Parques Estaduais da Costa do Sol, dos Três Picos, da Serra da Tiririca e do Desengano. A expansão do projeto e seus estudos para os parques nacionais de outros estados começam a partir de 2023”, revelou o coordenador do projeto de extensão.
Embora o potencial brasileiro para o astroturismo seja inegável, há desafios importantes para que o setor tenha sucesso. Do ponto de vista de Mello, existe ainda a necessidade de estudos de viabilidade e incentivo para a atividade nos parques e reservas. “Isso é um requisito que o projeto Astroturismo nos Parques Brasileiros da UFRJ está realizando de forma pioneira no país. Outra necessidade se refere à legislação e às normas técnicas para uso correto da iluminação artificial em escala nacional, que protejam principalmente os parques, reservas e sítios ‘etnoastronômicos’ do avanço da poluição luminosa. A estruturação dos equipamentos e serviços turísticos, a capacitação de profissionais de turismo, educação e ciência para atender a um público exigente e diferenciado são também cruciais para o sucesso do setor nos próximos anos”, concluiu o professor.