De lixão a insumo industrial: UFRJ inaugura laboratório que transforma resíduos e dióxido de carbono (CO₂) em energia, fertilizante e vidro

Novo laboratório do Ivig, que conta com um dos maiores reatores de pirólise em centros de pesquisa na América do Sul, testa soluções para reduzir lixo, emissões de carbono e importação de barrilha. Projeto já desperta interesse de grandes empresas

Por Conexão UFRJ – Fonte: www.ufrj.br

O Brasil produz, em média, cerca de 1 quilo de lixo por habitante por dia. Em um país com mais de 200 milhões de pessoas, isso significa algo em torno de 200 mil toneladas diárias de resíduos, grande parte ainda destinada a lixões e aterros. Nesse cenário, em que o país busca soluções para reduzir o impacto do lixo e das emissões de carbono, o Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig/Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), inaugurou, na quarta-feira, 10/12, o Laboratório de Pesquisa Aplicada em Pirólise de Resíduos e Descarbonização.

Instalado em um galpão de escala semi-industrial na Cidade Universitária, o laboratório abriga um dos maiores reatores de pirólise montado em centros de pesquisa na América do Sul, com 18 toneladas, importado da China, além de uma planta de descarbonização projetada e construída no Brasil. A nova estrutura foi criada a fim de desenvolver tecnologias capazes de testar e promover soluções práticas para transformar resíduos e dióxido de carbono (CO₂), também conhecido como gás carbônico, em insumos úteis, energia e produtos industriais.

No evento de inauguração, o reitor da UFRJ, Roberto Medronho, relembrou o histórico de protagonismo da instituição em descobertas científicas. “Foi aqui, nesta casa, que se iniciaram pesquisas pioneiras”, afirmou, referindo-se a estudos relacionados ao pré-sal e, mais recentemente, ao uso da polilaminina para recuperação de lesões medulares.

Segundo o reitor, o trabalho do novo laboratório contribuirá para o desenvolvimento de soluções de mitigação das mudanças climáticas. “Aqui estamos mostrando que é possível pegar o resíduo, transformar o resíduo em coisas úteis e, inclusive, capturar carbono”, disse. “Isso é inovação, isso é sustentabilidade”.

A inauguração ocorre em um momento no qual o Brasil, após a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP 30), em Belém, se comprometeu com metas mais ambiciosas de transição energética e neutralidade de carbono. O laboratório funcionará como plataforma de testes e protótipos para governos, prefeituras e empresas que precisam transformar compromissos climáticos em projetos reais.

A iniciativa, que é coordenada pelo Ivig/Coppe e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), conta com o apoio da Coordenação de Compensação Ambiental e Energia (CCAE/UFRJ) e da Prefeitura Universitária, colocando o Rio de Janeiro na linha de frente das tecnologias de baixo carbono.

“O primeiro impacto é atacar o problema do lixo”, resume o coordenador do Ivig, professor Marcos Aurélio de Freitas. “O Brasil trata muito pouco de resíduos. O que fazemos aqui é pegar aquilo que não tem valor econômico, como o plástico que sobra depois da reciclagem ou o lixo flutuante da Baía de Guanabara, e transformar em produtos úteis”.

Novo laboratório da UFRJ abriga um dos maiores reatores de pirólise montado em centro de pesquisa na América do Sul, com 18 toneladas, importado da China | Foto: Moisés Pimentel (SGCOM/UFRJ)

Pirólise: do lixo plástico ao combustível e da biomassa ao fertilizante

A pirólise é um aquecimento em ambiente controlado, sem presença de oxigênio, que converte resíduos sólidos – biomassa, podas de árvore, bagaço de cana, casca de coco – e plásticos sem valor de reciclagem em três produtos principais:

  • Óleo pirolítico – pode ser usado diretamente em caldeiras, para gerar vapor e energia elétrica, ou destilado em frações como gasolina, nafta e diesel.
  • Gases combustíveis – reaproveitados para aquecer o próprio sistema, aumentam a eficiência energética.
  • Biochar – um carvão de alta qualidade, usado como fertilizante e condicionador de solo, que aumenta a retenção de água, a fertilidade e funciona como forma de sequestro de carbono.

“Quando colocamos o plástico residual no reator, ele volta a ser óleo”, explica o professor. “Esse óleo pode gerar energia em caldeiras e motores, e o carvão para aplicações agrícolas, industriais e construtivas. Assim, mesmo quando não conseguimos reduzir diretamente o CO₂ emitido, deixamos de poluir rios, praias e a Baía de Guanabara”, ressalta Freitas.

Óleo pirolítico é um dos produtos da pirólise | Foto: Moisés Pimentel (SGCOM/UFRJ)

Além do plástico que sobra após a reciclagem, o laboratório trabalha com cenários para resíduos de cidades com grandes aterros sanitários, como Duque de Caxias, Goiânia e municípios que já procuram o Ivig para desenhar centrais de tratamento de resíduos. Os estudos mostram que, combinando pirólise (para lixo seco), biogás (para lixo úmido) e separação adequada, o volume destinado a aterros pode cair para cerca de 5 a 10% do atual, com geração de energia, fertilizantes e novos produtos.

Descarbonização: CO₂ vira barrilha e movimenta a economia

O segundo eixo do laboratório é voltado para o dióxido de carbono (CO₂), principal gás de efeito estufa. Em vez de apenas capturar o CO₂, a planta de descarbonização do Ivig o transforma em barrilha (carbonato de sódio), insumo usado sobretudo na fabricação de vidro, mas também em tratamento de água, indústria têxtil, papel e celulose, petroquímica e até perfuração de poços de petróleo.

O processo, realizado em equipamentos projetados no Brasil, consiste em borbulhar CO₂ em soda cáustica, fixando o carbono de forma estável. Parte desse dióxido de carbono vem justamente dos gases gerados no reator de pirólise e de um gerador movido a biometano que opera no próprio laboratório.

“O Brasil não produz barrilha desde o fechamento da Álcalis, em Arraial do Cabo, desde meados do ano 2000”, lembra Freitas. “Hoje importamos quase 2 milhões de toneladas por ano, a preços entre R$ 3 a 4 mil a tonelada. Ou seja, é um mercado relevante. Quando transformamos CO₂ em barrilha, não só ajudamos a enfrentar o aquecimento global como também substituímos um insumo importado por produção nacional associada à captura de carbono”.

A combinação dos dois processos abre caminho para modelos de negócio em que centrais de tratamento de resíduos geram empregos e receita própria, e não dependem apenas da taxa de lixo. “O CO₂ vira complemento de renda. Isso ajuda a tirar o interesse econômico em manter grandes aterros e lixões”, constata o professor.

Laboratório semi-industrial, pesquisa aplicada e empresas na fila

Segundo ele, o laboratório já despertou o interesse de grandes empresas em setores como o de energia e cana-de-açúcar, indústrias de vidro, além de companhias de papel, celulose e saneamento, em busca de soluções de baixo carbono para os seus processos. “Estamos começando a desenhar projetos sob medida para cada cadeia produtiva. A ideia é que, a partir desse laboratório semi-industrial, surjam soluções replicáveis em várias regiões do país, combinando pesquisa, capacitação, extensão e até a criação de novas empresas de base tecnológica”, afirma Freitas.

Em sua avaliação, os efeitos mais imediatos com as pesquisas realizadas pelo laboratório para a sociedade aparecem em duas importantes frentes. A primeira delas é a redução dos impactos do lixo sobre as populações mais pobres, que convivem com lixões, vazadouros e cursos d’água contaminados. Há ainda o ataque direto ao problema do CO₂, oferecendo uma rota real de sequestro de carbono em escala industrial.

“Quando você diminui drasticamente a necessidade de aterros e transforma parte desse lixo em energia, fertilizantes e insumos industriais, melhora o ambiente onde as pessoas vivem, reduz risco de deslizamentos e acidentes associados a lixões e gera novas oportunidades econômicas”, conta Freitas. “Ao mesmo tempo, estamos oferecendo uma solução concreta para o carbono que está aquecendo o planeta”, conclui o professor.

O Laboratório de Pesquisa Aplicada em Pirólise de Resíduos e Descarbonização fica na Largo Wanda de Oliveira, 200, na Cidade Universitária | Foto: Moisés Pimentel (SGCOM/UFRJ)