UFRJ coordena o projeto de monitoramento continuado mais longo da Corrente do Brasil, no Atlântico Sul
Por Sidney Coutinho – Fonte: www.ufrj.br
Da areia da praia, avistando o horizonte, quase ninguém se dá conta da relação entre um dia ensolarado/chuvoso e os imensos “rios” que circulam pelos oceanos. Mas o estudo das correntes marinhas é essencial para compreender como o clima do planeta muda. Há quase duas décadas, para desvendar os mistérios envolvidos na movimentação da imensa massa de água ao longo do Atlântico Sul, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), com o apoio da Marinha do Brasil, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e da (NOAA), transformaram em alvo de estudos a Corrente do Brasil.
Para monitorar a corrente marinha, a UFRJ iniciou em 2004 o projeto Movar (Monitoramento da Variabilidade Regional do Transporte de Calor na Camada Superficial do Oceano Atlântico Sul entre o Rio de Janeiro e a Ilha de Trindade), que acompanha o deslocamento das águas no trecho entre o estado do Rio de Janeiro e o arquipélago de Trindade e Martim Vaz. A distância de cerca de 1,5 mil km entre o continente e a ilha oceânica é denominada na comunidade internacional de radial de monitoramento AX97, uma região de grande importância política e econômica por conta de sua localização nas proximidades da Bacia de Campos, área de maior produtividade petrolífera do país.
Com a análise dos aspectos físico-químicos dos oceanos, é possível determinar as características das massas de água. De acordo com Mauro Cirano, coordenador do Movar e professor do Instituto de Geociências da UFRJ, ao longo de todo o trajeto entre o continente e o arquipélago são lançadas sondas (modelo XBT deep blue) capazes de informar a temperatura da água até uma profundidade de 800 metros. “Por meio da medição e com os dados sobre a salinidade, aos quais chegamos por estimativas, obtemos a densidade das águas na Corrente do Brasil. Se a corrente está mais fria e com mais sais minerais, ela fica mais densa. E as diferenças horizontais de densidade são responsáveis por gerar a corrente”, explicou o professor.
Até hoje, a equipe do Movar já realizou 86 missões oceanográficas, com pouco mais de 4 mil sondas lançadas para estudar a Corrente do Brasil. “Utilizamos os dados para validar modelos de previsão de correntes oceânicas de curto prazo – que envolvem previsões de até 15 dias – e os modelos do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima], que consideram períodos muito mais longos – de dezenas de anos –, além de cenários futuros de mudanças climáticas”, informou Cirano, destacando que a partir da coleta de dados feita pela equipe do projeto são aprimorados os modelos utilizados para previsões sobre as correntes marítimas de contorno oeste do Atlântico.
A sonda XBT tem o tamanho similar a uma garrafa de refrigerante de 250ml e custa em torno de U$100. O projeto da UFRJ recebe as sondas da NOAA, parceira dos brasileiros no estudo e que também recebe os dados coletados praticamente em tempo real. Esses dados são utilizados para as previsões de sistemas oceânicos, acessados por usuários de todo o mundo. “Há várias dessas radiais de monitoramento distribuídas por todo o globo e esta é a única mantida pelo Brasil. Trata-se do monitoramento continuado mais longo da Corrente do Brasil’, destacou o professor.
De tempos em tempos, embarcações da Marinha fazem a rota entre Rio de Janeiro e Ilha da Trindade para abastecer o posto oceanográfico existente no arquipélago. A viagem leva cerca de quatro dias e a última foi realizada pelo navio hidroceanográfico Almirante Graça Aranha, que saiu da cidade de Niterói (RJ) em meados de abril. A cada travessia, são lançadas na ida 48 sondas para registrar o perfil de temperatura. “Durante a pandemia, as viagens estavam suspensas, mas estamos retomando aos poucos o projeto. Essa é uma rota pré-definida e o apoio da Marinha traz uma grande vantagem para a logística, pois a periodicidade e manutenção da mesma trajetória do navio são fundamentais para a coleta de dados oceanográficos”, disse Cirano.
Segundo o professor, todos os centros de previsão oceânica do planeta têm acesso aos dados que são enviados para a NOAA e fazem parte do programa GTSPP (em inglês, Global Temperature and Salinity Profile Programme), do qual o docente também faz parte como membro do comitê gestor. As informações ajudam a melhorar as previsões de correntes marítimas e, consequentemente, do clima no mundo. Mas também há outras aplicações, como estimar o que está à deriva nas correntes marinhas. “Esses dados são essenciais em algumas regiões, como na Bacia de Campos, pois podemos estimar o tamanho dos prejuízos ecológicos e econômicos, tentando atenuar os problemas. O derrame de óleo que ocorreu há dois anos nas costas do Brasil, por exemplo, precisou de modelos realistas, bem ajustados para fazer previsões que ajudavam a indicar para onde seguiam as correntes”, disse.
A iniciativa é coordenada pela UFRJ, mas conta também com outras instituições, como o Centro de Hidrografia da Marinha (CHM), a Secretaria da Comissão Interministerial para Recursos do Mar (SECIRM) e o MCTI. O projeto também integra o Sistema Global de Observação do Oceano (GOOS), liderado pela Comissão Intergovernamental Oceanográfica da Unesco, que monitora rotas ao redor do globo para prover informações mais precisas sobre o oceano. Além disso, é um dos poucos inseridos no CoastPredict, um dos programas mundiais endossados pela Década da Ciência Oceânica.
Para o professor, uma coisa importantíssima do Movar é o baixo custo. “A gente aproveita os navios de oportunidade da Marinha do Brasil, recebe as sondas da NOAA e tem de ter vários parceiros para se tornar viável. Mesmo assim, precisamos de duas pessoas para tocar o projeto, pois há um volume de embarque razoável, em torno de dois meses ao longo do ano. Cada embarque são 10 dias de viagem e estada no arquipélago. Hoje, porém, estimamos essa corrente de modo muito mais preciso do que fazíamos no início de nosso trabalho”, concluiu Mauro Cirano.