À luz do Setembro Amarelo, doenças mentais e suicídio entram em pauta, mas especialistas afirmam que o tema precisa ser discutido o ano todo
Por Carolina Correia
Estima-se que, neste momento, mais de 300 milhões de pessoas sofrem de depressão no mundo. Solidão, desânimo, dor mental e física, raiva, sensação de que nada mais vale a pena, tudo isso são sintomas comuns dessa doença que faz sofrer não só o paciente, mas também todos ao seu redor, podendo até mesmo levar ao suicídio.
Anualmente as redes sociais e a mídia celebram o Setembro Amarelo, mês de conscientização contra o suicídio, valorização da vida e informação sobre uma série de transtornos psicológicos que causam o sofrimento invisível nos pacientes. Dados divulgados em 2019 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) mostraram que, na contramão mundial, o Brasil teve um aumento de 7% no índice de suicídio nos últimos anos, com mais de 30 mortes por minuto no país e um número ainda maior de tentativas.
Cátia Serra, auxiliar jurídico de uma multinacional, foi diagnosticada há quatro anos com depressão e transtorno de ansiedade generalizada. “Os sintomas começaram dois anos antes, eu demorei a procurar ajuda.” Entre os sinais que Cátia apresentava estavam um grande aperto no peito, coceiras, medo extremo e desnecessário, perda da liberdade, da independência e da vontade de viver. “O ponto que me fez procurar ajuda foi quando acordei sozinha de madrugada e achei que tinha alguém dentro de casa. Acabei correndo um risco real indo para a rua”, lembra.
Pesquisas realizadas no Brasil pela OMS mostram que os dados brasileiros são semelhantes aos dos demais países: mais de 4% da população adulta apresenta a doença e entre 15% e 18% podem sofrer de depressão durante a vida. Segundo Antônio Egídio Nardi, professor do Instituto de Psiquiatria (Ipub) da UFRJ e especialista no tema, a depressão é uma doença grave, frequente, muito limitante e recorrente, que, se não tratada, pode causar danos sérios à vida do paciente.
“A depressão paralisa o indivíduo. É uma doença com inúmeros sintomas psíquicos e físicos, sendo o humor triste apenas um entre muitos sintomas.”
O diagnóstico da doença é realizado quando uma pessoa possui um conjunto de sintomas específicos por um período de tempo específico. Ela sempre é acompanhada de sintomas cognitivos – que envolvem o pensamento, o raciocínio, a capacidade de decidir, de se concentrar e de aprender –, e isso ocorre em todos os episódios depressivos. Há uma relação com a gravidade: quanto mais grave os sintomas depressivos, maior o comprometimento cognitivo, o que afeta a correta avaliação, pelo paciente, dos atos da sua vida.
O professor usa dois exemplos para ilustrar como a depressão pode influenciar os pensamentos do doente: a venda de um carro por um preço irrisório ou o abandono do emprego. Nesses exemplos, o indivíduo tem consciência de que está vendendo seu carro e pedindo demissão, mas a depressão afeta sua cognição em uma dimensão distinta e mais profunda, impedindo-o de avaliar, de forma correta e ponderada, se o preço era correto, ou se o pedido de demissão do emprego era justificável.
“Os indivíduos com depressão têm diminuição da atenção e dificuldades para se concentrar, memorizar, realizar atividades que já estavam habituados, decidir e compreender as consequências de seus atos.”
Saúde mental: um tema para todos os dias
Tanto o psiquiatra quanto a assistente jurídico concordam que a sociedade precisa naturalizar a conversa sobre saúde mental. Com o crescimento de casos relacionados a transtornos dessa natureza, o preconceito também precisa ser combatido. “O mais importante é que a sociedade se informe mais, com uma abertura na mídia para debates, mas principalmente deixando à vontade a pessoa doente para que ela se sinta aberta a falar, sem ser julgada. Estamos condicionados a achar que a doença só existe se há feridas, internações, algo que possa ser visto, e nem sempre é assim”, compartilha Cátia.
Para Antônio, é preciso popularizar o acesso e a discussão sobre como manter a saúde mental, além de como diagnosticar e encaminhar os pacientes para tratamento.
“Assim como existe a saúde física e podemos falar de doenças físicas como hipertensão arterial, diabetes, câncer, temos que aprender que doenças mentais como depressão, alcoolismo, pânico, esquizofrenia, bipolaridade etc. existem. São doenças como as demais doenças do corpo, apesar de comprometer a mente também”, explica.
No caso de Cátia, por exemplo, o diagnóstico veio por consulta com psiquiatra, e o tratamento incluiu antidepressivos, ansiolíticos e terapia. Com alta medicamentosa, ela manteve as sessões com a psicóloga e o uso de ansiolíticos em casos de emergência, mas buscou também outras maneiras de controle emocional que não incluíam remédios.
“Encontrei uma grande ajuda na meditação, exercícios de respiração e sempre que posso tenho contato com a natureza, longe da agitação do dia a dia.”
O professor ensina que é preciso ficar atento aos sinais que as pessoas próximas dão, principalmente aquelas que já sofreram com episódios anteriores de depressão e estresse crônico – como o desemprego, a violência, tentativas prévias de suicídio e abuso de drogas. Outro sinal de alerta são as “despedidas”, quando a pessoa começa a organizar a vida econômica ou se desfazer de bens afetivos. “Junto com a solidão exacerbada e limitações físicas, tudo isso são agravantes para tentativas de suicídio.”
“As redes sociais somos nós”
O Setembro Amarelo ganhou força com as redes sociais como o Instagram e o Facebook, porém essas mesmas mídias são constantemente citadas como agravadoras de condições prévias devido a comparações e sensações de solidão. “São pessoas que fazem as redes sociais, mas o potencial de alcance é muito maior”, afirma Antônio. Para ele, escolher onde se informar, com quem conversar e o quanto de sua vida compartilhar são passos fundamentais do uso da internet. “A saúde mental pode ficar em risco quando as redes sociais passam a ser a única fonte de satisfação e prazer de uma pessoa. Temos que ter satisfação, interesse e prazer na vida real, encontrar pessoas queridas, ter atividade física e mental fora das redes sociais”, explica, ressaltando que, durante a pandemia, esses limites também devem ser observados.
Cátia já segue frequentemente as dicas dadas pelo professor do Ipub: diminuiu o número de pessoas que seguia e que a seguiam de volta, controlando os conteúdos que chegavam até ela e os que compartilhava.
“Eu seguia muitas pessoas com uma vida totalmente diferente da minha, e isso me deixava muito pra baixo. Só fui perceber com ajuda profissional.”
O psiquiatra acredita que o Setembro Amarelo é um movimento benéfico para combater os mitos e tabus que envolvem o suicídio, além de diminuir o preconceito em relação à depressão, fornecendo informação de qualidade. “É uma iniciativa mundialmente reconhecida como um alerta de que suicídio e tentativas de suicídio existem, são muito frequentes, destroem famílias e podem ser prevenidos”, explica.
A assessora jurídica, por sua vez, vê com dúvidas as manifestações durante o mês de setembro, já que suicídios e depressão acontecem durante todo o ano. Nas mídias sociais, muitos perfis entram na campanha se oferecendo como apoio para pessoas com depressão e pensamentos suicidas que precisem desabafar. Porém, os donos desses perfis não têm nenhum tipo de treinamento e acabam, muitas vezes, não direcionando os pacientes para tratamento.
“Entendo que é um tema muito importante e delicado para lidarmos; no geral, a sociedade não está preparada para lidar com doentes com transtornos mentais. Esse tema deve ser tratado por profissionais. Respostas simpáticas não ajudam, dizer para alguém como eu, que tenho transtorno de ansiedade agudo, que a vida é linda, que preciso me esforçar mais, que tenho que procurar Deus me faz sentir ainda mais impotente”, conta.
Se você sofre de depressão, ansiedade, síndrome do pânico ou pensamentos suicidas, busque ajuda. A UFRJ oferece centros de acolhimento por meio da Central de Apoio dos Trabalhadores e Estudantes da UFRJ do Núcleo de Bioética e Ética Aplicada (Nubea); do Grupo Vivências na Quarentena da Pró-Reitoria de Políticas Estudantis (PR-7) e da Seção de Atenção Psicossocial da Pró-Reitoria de Pessoal (PR-4).
Caso não seja da comunidade universitária ou prefira outro atendimento, o Centro de Valorização da Vida atua no apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail e chat 24 horas todos os dias. Ligue 188.
Sua vida importa!
Fonte: www.ufrj.br