Referência no combate à aids, Brasil tem aumento de casos entre jovens e cortes nas políticas públicas contra a doença
Por Carol Correia – Fonte: www.ufrj.br
Entre as políticas públicas de saúde mais eficientes do Brasil, o combate ao HIV e à aids se consagrou como uma vitória do Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, os recursos para campanhas de conscientização e programas de prevenção e aquisição de remédios sofreram ameaças nos últimos anos. No Dia Mundial de Combate à Aids, as pessoas soropositivas ainda convivem com o preconceito e buscam ter o tratamento garantido.
Cerca de quatro décadas depois do surgimento do HIV, o vírus da imunodeficiência humana, a ciência ainda não encontrou uma cura, mas criou mecanismos que impedem a progressão da aids, doença causada pelo vírus. O maior exemplo do avanço científico na área são os coquetéis de antirretrovirais que dificultam que o vírus se multiplique desordenadamente no organismo dos indivíduos infectados, impedindo que o sistema imune seja impactado e que o nível de HIV no sangue se torne indetectável.
De acordo com o Programa das Nações Unidas contra o HIV/Aids (Unaids), hoje mais de 38,4 milhões de pessoas convivem com o vírus no mundo; destes, 28,7 milhões têm acesso aos medicamentos necessários. Em 2021, 650 mil pessoas morreram devido a complicações provocadas pela síndrome da imunodeficiência humana – aids .
No Brasil, por sua vez, o último Boletim Epidemiológico sobre o HIV/Aids, publicado em 2022 pelo Ministério da Saúde, identificou que foram notificados mais de um milhão de casos de infecção pelo vírus desde 1980. A partir de 2012, há queda nos novos registros, sendo, hoje, cerca de 21,9 casos a cada 100 mil habitantes. Embora haja uma diminuição significativa, os dados apontam que a cada cinco horas uma pessoa é infectada pelo HIV no país.
Os óbitos também diminuíram na última década, totalizando pouco mais de 370 mil desde a entrada do vírus no território brasileiro. Em 2021, foram registradas 11.238 mortes, marcando uma queda de quase 24,6% desde 2010.
A desigualdade é o perfil
Embora os números gerais venham caindo nos últimos anos, alguns grupos sofreram um aumento expressivo e indicam que a doença segue tendo um recorte de raça, classe social, gênero e orientação sexual. O Boletim Epidemiológico mostrou que a proporção de infectados é muito maior entre a população negra, com destaque para as mulheres, tendo um aumento de quase 15% em 10 anos, enquanto a população branca teve uma queda de 12,3% no mesmo período. As mortes pela aids tiveram números similares: 9,2% de crescimento para os negros e 7,6% de diminuição para os brancos.
Em discurso que marca a data, o secretário-geral da ONU, António Guterres, enfatiza que a desigualdade é um dos fatores preponderantes para que as infecções continuem altas.
“Temos de pôr fim às desigualdades que impedem o progresso para acabar com a aids. Neste momento, corremos o risco de que haja milhões de novas infecções e de mortes. Portanto, no Dia Mundial da Aids, nossa voz é uma só: equidade já!”, ressaltou.
A Unaids estima que uma em cada cinco infecções ocorridas nos últimos anos na América Latina foi na faixa etária dos 15 aos 24 anos e que homens que fazem sexo com outros homens ainda sofrem de maneira desproporcional com a doença – e ainda mais com o estigma. Além disso, mulheres trans têm 40 vezes mais risco de serem infectadas do que a população em geral.
Augusto César, enfermeiro do Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) do Hospital Escola São Francisco de Assis (Hesfa), vê na prática o que os números oficiais do Ministério da Saúde e da ONU apontam: um aumento na procura e na positividade entre o público jovem, principalmente após relações sexuais desprotegidas.
“Nós trabalhamos com algumas hipóteses para isso. Ser portador do HIV não é como antes: a medicação permite que a pessoa viva normalmente e com qualidade de vida. Além disso, a população mais nova não viu o que se passou nas décadas de 1980 e 1990, o período mais crítico da doença no mundo”, explica, sinalizando que o aumento de casos de sífilis é outro dado alarmante.
Saullo Hipólito é jornalista e convive com o vírus há alguns anos. Para ele, o preconceito e a falta de informação ainda são problemas recorrentes quando se fala do HIV.
“Hoje em dia, com o avanço da medicina e da ciência, viver com o vírus da aids se tornou algo simples, desde que o indivíduo siga o seu tratamento diário. Infelizmente, a mídia brasileira ainda não sabe muito bem tratar de assuntos complexos ou que requerem cuidados. Existe uma falta de interesse no aprofundamento de algumas pautas, assim como um desleixo com informações importantes e que podem mudar o sentido do conteúdo, sendo que, no caso do HIV, pode até gerar maiores danos e fortalecer ainda mais o estigma a uma comunidade que enfrenta tanto preconceito”, defende.
Há um ano, Hipólito criou a página Infoposithivas no Instagram para disponibilizar conteúdo de qualidade sobre o assunto e acolher pessoas que têm, como ele já teve, dúvidas e inseguranças sobre o vírus. O influenciador conta que foi o aumento da desinformação que o engajou a se juntar a outras vozes e a criar o perfil, trazendo novas informações e combatendo fake news, como a que ligava as vacinas contra a covid à infecção pelo HIV.
“O meu objetivo como jornalista é sempre informar, então me senti na obrigação de assumir tal demanda. Sinto uma responsabilidade enorme por essa representatividade de levar a pauta para a frente. Acima de tudo, é uma forma de lutar pela vida de outras pessoas que estão na mesma luta que eu, por isso seguirei firme.”
Cortes e luta na UFRJ
A diminuição das taxas de contágio e mortalidade só foi possível devido a uma série de ações que o governo promove desde os anos 1990, como acesso integral e gratuito a medicamentos, testagem rápida, acolhimento e acompanhamento, além de campanhas de enfrentamento e conscientização.
Em outubro deste ano, o governo federal anunciou cortes em diversas áreas do Ministério da Saúde para 2023. Entre elas, o combate ao HIV perderá mais de 400 milhões de reais, impactando diretamente nos recursos para aquisição de medicamentos e testagem. César conta que possíveis cortes preocupam, mas afirma que o setor já sofre com a falta de insumos, como preservativos femininos, lubrificantes e material de escritório, além do mais importante: profissionais.
“No momento, não temos profissionais suficientes para dar conta do que poderíamos fazer, tivemos uma queda grande com aposentadorias e perda de funcionários sem reposição. Isso se dá muito pela situação do país e por tudo que está acontecendo com as universidades federais”, explica.
O CTA promove, desde 1992, testagem e acolhimento para casos suspeitos de infecções como o HIV, sífilis, hepatites B e C. Qualquer cidadão pode buscar o local para testagem rápida, seja devido à exposição de risco ou para controle. Em caso de diagnóstico positivo para alguma das doenças, o setor encaminha o paciente para os setores responsáveis nas redes municipais, estaduais e federais de saúde.
Segundo Hipólito, como os cortes anunciados serão implementados no orçamento de 2023, ainda não é possível saber quais serão as mudanças para os pacientes. No entanto, a possibilidade da falta de medicamentos preocupa as pessoas soropositivas e suas famílias, que sempre encontraram no sistema público o acolhimento necessário para garantir sua sobrevivência
“O SUS sempre foi e será referência mundial por salvar muitas vidas. Precisamos de políticas mais fortalecidas e divulgação mais clara de informações, não só para a comunidade positiva, mas para todos, para que possamos combater a disseminação do vírus e o preconceito que está enraizado. Sem isso, nunca conseguiremos parar a propagação que se perpetua ao longo do tempo”, conclui o influenciador.
Serviço
Hospital São Francisco de Assis (Hesfa)
Centro de Testagem e Acolhimento (CTA)
Av. Pres. Vargas, 2.863 – Centro
Entrada pela Rua Afonso Cavalcanti
Distribuição de senhas:
7h, 10h e 14h, de segunda a quinta
7h e 10h, sexta