Em celebração ao Dia das Crianças, o olhar da equipe sobre o Coral Infantil da UFRJ
Por Tassia Menezes e Julia Silva – Fonte: www.ufrj.br
“A gente vai aparecer na Globo?” Pairava uma curiosidade enorme em uma das salas da Escola de Música com a presença daquelas intrusas no ensaio do Coral Infantil da UFRJ numa tarde de quinta-feira: uma jornalista, uma extensionista e uma fotógrafa, todas querendo saber mais sobre a relação das crianças com a música.
Para nós, inicialmente, era só mais um registro das atividades que acontecem na Universidade, dessa vez com o intuito de celebrar o Dia das Crianças. Para elas, era a própria celebração. Segundo algumas avós que esperavam no corredor, a motivação usual de ir ensaiar aumentou com a novidade de que “hoje vai ter repórter”. E, para nós, o que era só um registro passou a ter também outra dimensão.
Quem acompanha a jornalista que vos escreve sabe das vezes em que me permito abandonar as formalidades da profissão. Entendi que algumas experiências são transmitidas mais assertivamente a partir da subjetividade. Assim, voltamos com a proposta de trazer o “meu olhar”. Ou poderia, desta vez, dizer o “nosso”? Entre os sorrisos e a vergonha das crianças, regentes orgulhosas e avós corujas, compartilho a arte de se apaixonar pelas histórias como esses jovens se apaixonaram desde cedo pela música.
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Tudo começou com uma jovem Zezé de 11 anos, que, apaixonada por música, estudava nos cursos técnicos oferecidos pela própria UFRJ. A menina, então adolescente, nunca deixou a paixão de lado, mas profissionalmente seguiu outros caminhos, decidindo estudar Engenharia e se tornar professora na área. Por anos, a Escola Politécnica e a Faculdade de Arquitetura contaram com uma docente que dividia sua carga horária entre as aulas e provas e as partituras dos cinco corais extracurriculares dos quais fazia parte.
Após algum tempo equilibrando as duas escolhas, a já então adulta Zezé foi chamada de volta pela arte. Em 1983, acumulando cinco anos de docência, ela voltou a estudar Regência em paralelo às aulas. Hoje, Maria José Chevitarese é professora da Escola de Música da UFRJ, além de coordenadora e regente de dois coros: o Brasil Ensemble e o Coral Infantil da Universidade.
E aqui o nosso foco é justamente o Coral Infantil: tivemos a oportunidade de acompanhar um ensaio do novo espetáculo que vem sendo preparado já para o Natal. Normalmente, as crianças e adolescentes são separados em duas salas, de acordo com a faixa etária: de 7 a 12 anos em uma, com a regente Juliana Melleiro; e de 13 a 18 em outra, acompanhados pela própria Zezé, como é chamada por todos até hoje.
Desta vez, estavam todos numa mesma sala, focando nas canções que interpretarão juntos no espetáculo. Apesar das partituras na mão e da postura correta ao sentar, eles não negam a inocência e leveza ao fazer brincadeiras trocando o “sino de Belém” pelo de “Xerém”. Consigo ver que alguns são mais expressivos e fazem pose enquanto cantam em pé. Já em outros, percebo certa timidez de quem possivelmente ainda está iniciando a trajetória.
É bem possível, já que o coro não faz nenhum tipo de seleção. Nenhuma criança que chega ao projeto precisa ser afinada, saber cantar, nada disso… Só precisa querer estar ali toda terça e quinta-feira para cantar e aprender. “É uma terapia, mas não é brincadeira. É um trabalho muito sério”, reforça Zezé.
E assim o projeto de extensão recebe integrantes de diversas partes da cidade e até da Região Metropolitana. O próprio coral já alcançou há algum tempo certa maturidade: em 2022, completou 33 anos, nos quais vem transformando a vida de crianças e adolescentes e sendo referência no país.
Hoje, com cerca de 60 pequenos em formação, Zezé já perdeu as contas de quantas apresentações fizeram e de quantos coralistas passaram por ali ao longo dessas três décadas, mas destaca que muitas crianças se profissionalizaram e hoje são solistas mundo afora, ou seguem carreira em coros importantes. Outras, não seguiram carreira na música, mas puderam ver outras possibilidades a partir das experiências vividas.
“O repertório que a gente propõe é abrangente: música sacra, africana, popular, em francês, em italiano, em inglês. A ideia é fazer com que eles entendam que o mundo não é só esse pedacinho em que eles moram. Afinal, você não pode desejar aquilo que não conhece”, explica Zezé.
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Nosso encontro com elas
Julia Silva
A primeira criança com quem conversamos chegou antes de todos na sala de ensaio. De cara, já deu para perceber que Mariana El Hadeer mostrava na pontualidade apenas um pouco da importância que, já aos 12 anos, dá ao compromisso. A menina, que achou o coral pesquisando sobre a Universidade, contou empolgada que, quando conseguiu ingressar na turma, em 2019, foi um dos seus melhores dias. Depois de falar conosco, se apressou em sentar em uma das cadeiras dispostas em semicírculo, em frente ao piano.
Com o início do ensaio e o auxílio de Pamella Malaquias, instrutora do coral há 12 anos, mudamos de sala para não atrapalhar a atividade e ter um pouco mais de privacidade no contato. Ela nos apresentou três alunos de cada faixa etária para que pudéssemos prosseguir com a apuração. Logo, um trio de meninas entra timidamente, enquanto os olhares apreensivos se cruzam e risinhos nervosos preenchem a acústica do espaço.
“Eu nem sei o que falar”, solta Josielen de Oliveira, apesar de ser visivelmente articulada e estar empolgada com a situação. A pequena se senta no meio. Ao seu lado, com postura confiante, Isabel Costa assume a dianteira, estabelecendo-se à frente da mesa que nos separava. Já Luna Estevez se posiciona timidamente na outra ponta da mesa.
Enquanto intercalamos fotos e conversas, as três, com 9, 12 e 11 anos, respectivamente, respondem nossas perguntas com níveis diferentes de entusiasmo, mas com um padrão que se repete em todas as respostas: o amor pela música. Quando Isabel conta que sua parte preferida na arte é se superar; Josielen diz, cheia de responsabilidade, que não gosta de perder nenhum encontro; ou Luna explica que cantar é mais legal que fazer um jutsu – tipo de ataque mágico do anime Naruto –, o sentimento pela arte se mostra nelas, que no fim saem da sala apressadas para voltar ao ensaio.
Alguns momentos depois, Vinicius Pereira passa pela porta, com a ajuda de Pamella: “Desculpa, eu sou meio ruim de entrevista”, justifica ele nervosamente. O rapaz tem deficiência visual e toca quatro instrumentos. Segundo a instrutora, o jovem de 16 anos é um dos melhores músicos da turma, fazendo parte do coral há 4 anos. “Eu gosto de tudo”, diz, sorrindo. Mais uma vez o padrão se repete.
Enquanto ele posava para a fotógrafa, as jovens Gabriela Prazeres e Catelina Benedetto são as próximas para o papo com as “repórteres”. Como elas têm 14 e 16 anos, respectivamente, podemos perceber uma mudança na articulação e até no nervosismo, em comparação com as crianças menores. Elas se mostram mais seguras em relação ao que dizer e como. Ainda assim, a semelhança segue no conteúdo: “A música é minha vida”, afirma a mais velha, sem dúvidas e com a certeza de que sempre foi assim. Já Gabriela não consegue se ver sem a arte na sua vida, demonstrando a vontade de mantê-la em seu futuro. Para ela, cantar aumenta sua capacidade de comunicação e autoestima. Novamente o padrão.
O amor pela música é visto em cada olhar brilhante das crianças e adolescentes que alternam a atenção entre a partitura e as regentes. É percebido no sorriso das instrutoras cada vez que uma nota é alcançada pelos alunos. E é gritante na expressão de admiração das avós na porta da sala. Ouso dizer que viaja junto às notas musicais e entra em nós, nos inspirando a buscar esse sentimento: cantando, tocando, ou apenas ouvindo.
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Tassia Menezes
Enquanto acompanhava todo o processo de ensaio e preparação e conhecia mais sobre o Coral Infantil da UFRJ, o que mais passava na minha cabeça era como eu desejava ter tido a oportunidade de fazer parte de um projeto como este quando criança. A jornalista, assim como as crianças e as regentes, também é apaixonada pela música desde pequena, mas na minha trajetória o encontro com ela se deu um pouco mais tarde, possivelmente pela falta de uma experiência desse tipo.
Hoje, assim como Zezé fez, sigo equilibrando minhas duas escolhas: a comunicação e a música. E fico satisfeita quando tenho a oportunidade de uni-las como neste texto, que fica aqui como uma celebração da música e da arte na infância. Que cada sorriso, conquista e parceria sejam possibilidades de expansão desses pequenos seres em construção.