Pesquisa identificou formas de aumentar tolerância ao estresse térmico utilizando coquetel de bactérias
Por Igor Soares – Fonte: www.ufrj.br
O aquecimento dos oceanos já causou perdas catastróficas de recifes de corais em todo o mundo: alguns estudos sugerem que a cobertura de corais do planeta foi reduzida à metade nos últimos 50 anos. O relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em agosto deste ano, indica que, desde o início da Era Industrial, a temperatura média da superfície da Terra já aumentou 1,1 ºC, e a previsão é de ultrapassar 2 ºC nos próximos 40 anos. Segundo diagnóstico do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) divulgado no final de 2020, os recifes de corais desaparecerão até o fim do século.
Com o gradativo aumento da temperatura das águas, ocorre a perda da simbiose entre o coral e algas fotossintéticas, responsáveis por fornecer, em alguns casos, cerca de 80% de sua energia. Sem os pigmentos provenientes dessas algas, ocorre o chamado branqueamento – uma condição que pode levar à morte do coral caso o evento térmico não cesse. A boa notícia é que pesquisadores da UFRJ e da King Abdullah University of Science and Technology (Kaust), da Arábia Saudita, podem ter dado um passo promissor para reverter esse processo.
Liderado pela pesquisadora Raquel Peixoto, do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes (IMPG/UFRJ), o estudo, publicado no periódico científico Science Advances, sugere que manipular o microbioma a partir de um conjunto de micro-organismos benéficos para os corais (BMC, em inglês) pode reverter o processo causado pelo estresse térmico.
Peixoto ressalta que as ondas de calor causam a quebra dessa relação de simbiose entre o coral e a alga. Sob forte estresse térmico, a alga começa a produzir grandes quantidades de espécies reativas de oxigênio (ROS, na sigla em inglês), tóxicas para ambos os organismos. Assim, ela é expulsa do coral, que fica com o esqueleto calcário visível através do tecido quase transparente.
O que os pesquisadores fazem, a partir de então, é restaurar essa microbiota com bactérias que já são nativas do coral. Em uma analogia, Peixoto destaca que é como no caso de replantar uma floresta que esteja degradada e tenha passado por queimadas. Não à toa, os corais também são conhecidos como florestas tropicais do mar, em função da enorme biodiversidade que o bioma carrega.
“A gente usa micro-organismos que podem mitigar esses efeitos causados pelo excesso de ROS, diminuindo sua concentração e retardando o processo de disbiose [quebra da relação entre coral e alga]. Além disso, a gente oferece para o coral bactérias que estão envolvidas na ciclagem de nutrientes e que vão fornecer energia durante esse período de estresse, ajudando-o a subexistir enquanto a alga não volta. Por fim, incluímos nesse coquetel bactérias antagonistas a patógenos, as quais podem ajudá-lo a sobreviver mesmo nessa condição adversa, porque, quando o coral começa a ficar disbiótico, os patógenos tendem a crescer e às vezes muitos oportunistas passam a tomar conta dele”, explica.
No estudo, os pesquisadores submeteram 80 fragmentos do coral-cérebro Mussismilia hispida a condições extremas de estresse térmico, com o aumento gradativo da temperatura – de 26 oC para 30 oC – durante dez dias. Depois desse período, a temperatura retornou aos poucos para o valor inicial. Parte desses corais recebeu o coquetel de probióticos, com seis cepas bacterianas, enquanto outra parte recebeu placebo. Durante a realização do experimento, os pesquisadores identificaram que os corais que receberam placebo não se recuperaram – 40% deles morreram e o restante continuou com o estado de saúde muito crítico até o final dos testes. Já no grupo tratado com os BMCs, todas as amostras chegaram vivas ao final do ensaio.
Peixoto destaca ainda que foi possível chegar a esse resultado porque a seleção de bactérias de fato conseguiu mitigar o chamado post-heat stress disorder, uma desordem similar ao estresse pós-traumático. Já nos corais que estavam desprotegidos e, portanto, sem diversidade microbiana, os parâmetros metabólicos apresentaram diferenças relevantes.
“As bactérias que a gente selecionou são capazes de degradar uma substância que também é produzida pela alga: o DMSP [dimetilsulfoniopropionato], um composto que, quando degradado, pode ser uma fonte alternativa de nutrientes e, ao mesmo tempo, quando não degradado, atrai patógenos. Então a gente usou bactérias que degradam esse composto, ou seja, elas acabam com essa atração pelos patógenos e, ao mesmo tempo, fornecem nutrientes para que o coral continue sobrevivendo. Essas bactérias foram muito importantes dentro desse consórcio, pois conseguiram realmente ajudar no processo de recuperação dos corais, que foi o que fez a diferença. É o que faz a diferença no mundo real, né?”
A pesquisa também descreve alguns mecanismos moleculares de proteção dos corais contra o estresse térmico. Segundo Peixoto, os corais tratados com placebo tiveram um grande aumento de vários genes relacionados à desordem celular: suas células já não conseguiam se proteger e realizar a reconstrução. Já em relação ao grupo que recebeu o coquetel de probióticos, houve alterações benéficas nos genes da microbiota – que, beneficiada pela inoculação das bactérias, sofreu processos de regulação genética que mitigaram a mortalidade desses organismos.
O estudo é assinado por Erika P. Santoro, Ricardo M. Borges, Josh L. Espinoza, Marcelo Freire, Camila S. M. A. Messias, Helena D. M. Villela, Leandro M. Pereira, Caren L. S. Vilela, João G. Rosado, Pedro M. Cardoso, Phillipe M. Rosado, Juliana M. Assis, Gustavo A. S. Duarte, Gabriela Perna, Alexandre S. Rosado, Andrew Macrae, Christopher L. Dupont, Karen E. Nelson, Michael J. Sweet, Christian R. Voolstra e Raquel S. Peixoto.