Cientistas brasileiros participam de estudo que mostra como a gravidade atua na antimatéria
Por Sidney Coutinho – Fonte: www.ufrj.br
Todos os objetos, independentemente da massa ou da composição, devem cair em queda livre da mesma maneira em resposta à gravidade, segundo o princípio da equivalência fraca (WEP, na sigla em inglês), descrito por Albert Einstein, em 1915 – quando ele apresentou ao mundo os efeitos da gravidade na Teoria Geral da Relatividade. Todavia, as experiências consideravam apenas tudo que fosse feito de matéria. Até que um grupo de pesquisadores da UFRJ, junto com outros cientistas de diversas partes do mundo, resolveram testar os efeitos da gravidade na antimatéria. Os resultados estão descritos na Nature, uma das mais conceituadas publicações científicas. Eles revelaram que os átomos de antimatéria caem na Terra da mesma forma que os seus equivalentes feitos de matéria.
A antimatéria é o inverso da matéria e, quando elas se encontram, se aniquilam e liberam luz. Embora o físico alemão Arthur Schuster tenha sugerido a existência da antimatéria, em 1880, apenas em 1928 Paul Dirac postulou, somente com cálculos e sem nenhuma evidência experimental, que de fato havia elementos de antimatéria no Universo. Mesmo assim, só quatro anos depois, Carl David Anderson pôde observar a existência do pósitron, a partícula que comprovou as ideias anteriores. Para melhor compreensão, o átomo de hidrogênio feito de matéria, por exemplo, tem apenas um próton de carga positiva e um elétron de carga negativa. Já o anti-hidrogênio tem a mesma composição, mas com as cargas invertidas.
Como afirmou Jeffrey Hangst, porta-voz da colaboração Alpha, da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (Cern), da Suíça:“Na física, realmente não se sabe algo até você observar. Este é o primeiro experimento direto no qual realmente se pôde observar um efeito gravitacional no movimento da antimatéria. É um marco no estudo da antimatéria, que ainda nos confunde devido à sua aparente ausência no Universo”. É importante ressaltar que a antimatéria, segundo a teoria e os experimentos científicos, só é criada artificialmente na Terra. Os cientistas sabem que após o Big Bang, matéria e antimatéria se formaram em quantidades quase iguais. E, apesar de muitas hipóteses, nenhuma comprovada, ninguém sabe onde a antimatéria foi parar. Houve, por algum motivo desconhecido, a separação entre as duas ou não existiríamos.
A colaboração Alpha cria átomos de anti-hidrogénio – um pósitron orbitando um antipróton – na Fábrica de Antimatéria do Cern. Lá, cientistas pegam antiprótons com carga negativa, produzidos e desacelerados nas máquinas AD e Elena, e os ligam a pósitrons carregados positivamente acumulados a partir de uma fonte de sódio-22. Em seguida, confinam os átomos de antimatéria neutros – mas ligeiramente magnéticos – em uma armadilha magnética, que os impede de entrarem em contato com a matéria e se aniquilarem. Os átomos de anti-hidrogênio são partículas de antimatéria eletricamente neutras e estáveis. Essas propriedades os tornam sistemas ideais para estudar o comportamento gravitacional da antimatéria.
Testes rigorosos
De acordo com o professor do Instituto de Física (IF) da UFRJ Rodrigo Sacramento, um dos autores do artigo, a experiência pode parecer simples assim como os resultados, mas foram anos para aprender como fazer esse antiátomo, como segurá-lo e como controlá-lo bem o suficiente para que pudéssemos realmente soltá-lo de uma forma que fosse sensível à força da gravidade. O estudo completo envolveu a repetição do experimento várias vezes para diferentes valores de um campo magnético adicional, que poderia (des)compensar ou até mesmo neutralizar a força da gravidade. “Fomos muito rigorosos ao realizar os experimentos e esse foi um artigo que discutimos bastante antes de divulgar, cientes de nossa responsabilidade”, explicou.
A equipe Alpha construiu um aparelho vertical chamado Alpha-g, que recebeu seus primeiros antiprótons em 2018 e foi comissionado em 2021. O “g” denota a aceleração local da gravidade, que, para a matéria, é de cerca de 9,81 metros por segundo ao quadrado. Este aparelho permite medir as posições verticais em que os átomos de anti-hidrogênio se aniquilam com a matéria quando o campo magnético da armadilha é desligado, permitindo a fuga deles.
Segundo o professor Cláudio Lenz, também do IF/UFRJ, as descobertas realizadas confirmaram que a antimatéria deveria sentir os efeitos da gravidade da mesma forma que a matéria comum, de acordo com as previsões da relatividade geral. O próximo passo dos cientistas, adiantou ele, é realizar testes mais precisos no futuro para melhorar a compreensão da natureza gravitacional da antimatéria. Um futuro interferômetro a laser permitiria um aumento de precisão de ordens de grandeza e testar se a matéria e a antimatéria realmente caem da mesma maneira, tal como a pena e a maçã lançadas no vácuo. “Em última análise, a ciência é empírica e nossos modelos atuais ainda estão longe de explicar nosso Universo, tendo em vista a ausência de antimatéria, a essência da matéria e da energia escura”, disse o professor.
O Brasil está para virar membro do Cern, dependendo agora só da aprovação no Congresso Nacional e de a decisão ser sancionada pelo presidente da República. Embora partes do experimento Alpha tenham sido feitas no Brasil, essas pesquisas com anti-hidrogênio só podem ser feitas na organização europeia. A assinatura do acordo vai permitir aos grupos brasileiros que atuarem no Cern assumirem maiores compromissos e protagonismo nas futuras pesquisas fundamentais. Hoje, a equipe brasileira é composta por Levi Oliveira Azevedo, Rodrigo Lage Sacramento, Álvaro Nunes de Oliveira, Cláudio Lenz Cesar e Daniel de Miranda Silveira.
O grupo brasileiro no Alpha, baseado na UFRJ e no Inmetro, tem sido apoiado pelo CNPq, Renafae e Faperj. Atualmente, o grupo está desenvolvendo uma técnica de geração de íons frios negativos de hidrogênio (https://www.nature.com/articles/s42005-023-01228-7) para introduzir hidrogênio na mesma armadilha do anti-hidrogênio e assim poder realizar uma comparação direta entre o átomo e o antiátomo.