Com tempo e histórias distintas na Universidade, professores revelam como enxergam as mudanças na atividade educacional no dia dedicado a eles
Por Sidney Coutinho – Fonte: www.ufrj.br
Com os olhos marejados e a voz embargada, o professor Ricardo de Andrade Medronho, com quase meio século de carreira na Escola de Química (EQ-UFRJ), respira fundo antes de afirmar que, a cada dia, a universidade está um retrato mais fidedigno do Brasil, com alunos representantes de diversas classes sociais, gêneros e etnias. O silêncio respeitoso de alguns segundos é rompido com o gesto afetuoso da professora Fernanda Barros dos Santos, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza de Almeida (Nepp-DH), que, com um largo sorriso e a certeza de que dias melhores virão, abraça o experiente mestre. Ambos estavam reunidos na última terça-feira (11/10), no Salão Moniz Aragão, na Praia Vermelha, para relatar a experiência de ser docente na UFRJ e trazer uma reflexão ao dia voltado aos profissionais de ensino.
Nos últimos anos, houve muitas mudanças para os profissionais que se dedicam à educação. Além da pandemia, que acelerou alguns processos, também ocorreu um salto tecnológico, que mudou a sociedade e a forma como os indivíduos lidam com o aprendizado. O professor Ricardo Medronho, por exemplo, começou a lecionar em 1976, quando a denominação para a função era apenas de “auxiliar de ensino”. Era o chefe de departamento quem indicava, entre os que já faziam mestrado, aqueles que ele percebia ter o perfil para ensinar os demais alunos. “Em 1975, comecei o mestrado. Fui convidado pelo professor Giulio Massarani para dar algumas aulas enquanto ele participava de um congresso. Depois, veio a proposta do chefe de departamento. Concluí o mestrado e, quando segui para o doutorado na Inglaterra, já era professor assistente aprovado em concurso. Na época, em 1980, eram muito poucos os doutores no país e a universidade não tinha como exigir o doutorado”, conta Medronho.
Segundo ele, sempre houve o interesse em ser professor da UFRJ desde os tempos de graduação. Em 1974, mesmo ano em que recebeu o convite do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe) para fazer o mestrado, o docente havia sido aprovado em um concurso público para a Petrobras. “Era o sonho de todo o aluno de Engenharia Química entrar na empresa brasileira, um dos melhores empregos do país. Até hoje, considero que foi a decisão mais difícil que tomei na vida: deixar de assegurar um futuro financeiramente tranquilo, pois certamente ganharia o dobro, ou seguir aquilo que sonhava fazer. Optei por ficar na universidade fazendo o mestrado na esperança de um dia me efetivar como professor”, revelou. Desde 2018, Medronho é professor emérito da UFRJ e passou por diversas etapas na carreira notória.
Escolha difícil também teve Fernanda Barros, que está nos primeiros degraus da atividade como professora universitária. Ela foi contratada como substituta em 2015, quando viu o interesse pela licenciatura superar o desejo de se tornar pesquisadora. “Com o término do contrato em 2017, como substituta, fiquei na expectativa de outras oportunidades. Dois anos depois, fui surpreendida com o concurso para uma única vaga como professora adjunta do Nepp, ao mesmo tempo em que surgiu uma bolsa para fazer pós-doutorado nos EUA, na Universidade de Wisconsin-Milwaukee. Acabei escolhendo a UFRJ, que sempre foi o sonho da vida. Preferi ficar e respeitar a fila de quem vai fazer o pós-doutorado no departamento”, disse a mestre.
Fernanda Barros também é uma representante dessa geração que vem transformando a universidade. De etnia negra e de origem popular, viveu na residência estudantil entre 2006 e 2010, enquanto realizava a graduação na UFRJ. Depois fez o mestrado e seguiu para o doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF), sob orientação de Cristina Buarque de Hollanda. “Quando eu entrei, em 2006, em uma turma de 61 alunos, a representação de pessoas negras era só de três estudantes: eu e mais dois amigos. Havia uma grande discussão na sociedade sobre as cotas. Naquele momento, percebi a necessidade de inclusão de pessoas negras como eu dentro do espaço universitário. Eu percebi a elitização, o baixo número de negros nos cursos. Mais tarde, dando aula como professora substituta, foi algo que me chamou muito a atenção”, conta Fernanda Barros.
Mudança de paradigmas
Do ponto de vista da professora do Nepp, é um privilégio ser um modelo para os estudantes negros e aumentar a autoestima deles mostrando que é possível lecionar em uma universidade brasileira. “Muitos dos alunos dizem que eu sou a primeira professora negra que eles veem. Isso me serve de inspiração. Muitos deles hoje pensam em continuar os estudos fazendo mestrado e doutorado e retornar à universidade como professores”, disse.
Por trás dessa ampliação de matizes nas salas de aula, houve muita batalha de bastidores. Ricardo Medronho se recorda de ver o ingresso do professor de Economia Marcelo Paixão no Conselho Universitário (Consuni) com a determinação de aprovar a adoção de cotas raciais e sociais na UFRJ. “Foi antes da legislação federal. A universidade aprovou as cotas e eu tive a oportunidade de estar lá votando para isso. A Engenharia Química sempre foi um curso difícil de ingressar e era dominado por uma elite branca. Agora, a Escola de Química é um retrato do Brasil.”
A professora Fernanda Barros tem a percepção de a mudança também se deu nos objetos de estudo das pesquisas científicas. “Os alunos trazem muito mais em proximidade para a pesquisa o que os aflige: querem estudar, por exemplo, a violência nos seus territórios, as questões das religiões e os impactos na orientação sexual”. Segundo ela, os estudantes começam a demandar o “enegrecimento” de alguns cursos, aprofundando o conhecimento voltado para a população negra em áreas diversas, como a saúde ou o direito. Para Fernanda, as consequências serão o surgimento de políticas públicas, retornando à sociedade o conhecimento produzido. “Os processos sociais são mutáveis. A gente tem uma série de conhecimentos que vão se abrindo para essas demandas de fora. Por isso, a universidade de fato é um espaço plural e democrático”, afirmou.
Esvaziamento da ciência
Ao serem questionados sobre como enxergam as tentativas de descredenciar o conhecimento científico e o esvaziamento da importância das universidades públicas, ambos se posicionam com indignação. Para Fernanda Barros, é triste ver o desprestígio do professor e dos cientistas, que já foram uma referência respeitada pelo que faziam e pelo conhecimento que traziam consigo. “O que está sendo feito em relação à ciência é muito pernicioso e traz uma série de consequências nefastas. Eu sou defensora da ciência e não acho que há um divórcio entre a ciência e a humanidade. Ao contrário, a gente avança junto com a ciência, pois a ciência é humana”, afirma.
Para Ricardo Medronho, parece que há um projeto para manter o Brasil como uma colônia. “Éramos um dos líderes mundiais e exemplo para outros, apesar de ainda estarmos em desenvolvimento. Isso incomodou aqueles que vislumbraram o risco de competição de influência em nível internacional”, disparou Medronho.
Tecnologia e sala de aula
Para os professores, a evolução da tecnologia e das ferramentas de comunicação apresentam lados positivos e negativos. Sem dúvida, para ambos, o uso de dispositivos, como os tablets e smartphones, e uma internet mais rápida facilitam o trabalho do professor na preparação das aulas e avaliação das turmas, além de potencializar o aprendizado. Todavia, há distorções e a pandemia da covid-19 serviu para evidenciar o quanto o Brasil estava despreparado para promover o ensino de forma remota.
Dificuldades de acessibilidade, convivência social limitada, prejuízo ao exercício de aptidões práticas, entre outros, poderiam ser apontados como pontos negativos e são problemas para a educação alicerçada na tecnologia. Para Fernanda Barros, está se esvaindo o aprofundamento do conhecimento, algo referendado por Ricardo Medronho. “Hoje os alunos estão acostumados com o Google, onde fazem buscas de informações resumidas e se sentem informados. Logo, perdemos em profundidade. Antigamente, ao ler um livro você refletia, pensava no que estava escrito; agora, não”, destacou o professor.
Para a professora do Nepp, a tecnologia, por outro lado, melhorou o acesso a conteúdos diversos, democratizando o conhecimento. É a democratização do saber, mas há um esforço maior do professor. “O conhecimento retido nos livros migrou. Muitos não frequentam mais as bibliotecas, pois podem baixar o conteúdo para o computador, tablet ou celular de casa. Mas para o aluno isso também é uma perda do contato com a universidade, de participar de um processo de socialização”, disse.
Segundo Barros, os professores precisam se reinventar todos os dias para cativar e despertar o interesse pela aula “Hoje, é preciso trazer sempre inovação, ligando conhecimento ao que os estudantes estão vivendo, com acontecimentos do dia a dia, com a prática que desperta interesse por autores e livros. É fazer com que o conhecimento seja aprazível e não líquido, de uma resenha”, disse. Para Fernanda Barros, que ainda trilha os primeiros passos na carreira, estar na UFRJ é sentir orgulho de desbravar o conhecimento. “Eu já tinha uma formação intelectual e como pessoa, mas os afetos que vamos criando aqui dentro, o conhecimento que vamos proporcionando para a sociedade, fazendo o povo entrar para dentro dessa casa é o maior orgulho de minha vida”, afirmou.
Com 46 anos de magistério, Ricardo Medronho, ressalta que a universidade fez parte da vida dele desde os 18 anos. “É como se fosse minha família. Aqui eu me sinto em casa. Isso é algo que sempre digo aos meus alunos. Procurem trabalham em um lugar onde não seja ruim ir ao trabalho. Tem de sentir orgulho ao acordar e alegria de ir trabalhar. É uma catarse conversar com alunos novos, aprender coisas novas. A gente não envelhece, o professor não envelhece”, concluiu.