Sede do campus Praia Vermelha é símbolo da riqueza histórica, arquitetônica, cultural e científica do país
Por Carol Correia – Fonte: www.ufrj.br
Em 1852 um prédio recém-construído despontava na Baía de Guanabara. O Hospício Pedro II, viabilizado pelo imperador cujo nome batizou o edifício, era um ícone da arquitetura neoclássica que exaltava ao mundo o potencial do país para os navios que chegavam ao porto. De Hospital de Alienados a Universidade do Brasil, o Palácio Universitário da UFRJ testemunhou grandes acontecimentos, abrigando, até hoje, uma inestimável riqueza histórica, cultural e científica.
O primeiro post da série Rolé UFRJ – que busca conhecer e valorizar os espaços da instituição – visitou o Palácio Universitário, prédio tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1972 e sede do campus Praia Vermelha, que hoje abriga a Escola de Comunicação (ECO), a Faculdade de Educação (FE), o Instituto de Economia (IE), a Faculdade de Administração e Ciências Contábeis (Facc), o Fórum de Ciência e Cultura (FCC) e o Sistema de Bibliotecas e Informação (Sibi).
Idealizado ainda no reinado de Dom Pedro I, o Hospício de Alienados, como era conhecido, foi construído para aliviar a situação de cadeias e cárceres que estavam lotados de pessoas com condições psiquiátricas. O Hospício foi local de formação de médicos nos estudos de psiquiatria e fundamental para a instalação da primeira cátedra dessa especialização na Faculdade de Medicina. Segundo Andréa Queiroz, historiadora e diretora da Divisão de Memória Institucional do Sibi, o palácio é um marco importante para a história da Universidade e do país.
A construção foi iniciada em 1842 e levou quase dez anos para ser concluída, tornando-se um monumento à arquitetura europeia da época. A ostentação foi marcada pelo uso de gradis de ferro fundido decorados e de mármore carrara no ambiente. A planta é estruturada em alas simétricas, com pátios e jardins internos, típicos de áreas hospitalares do período.
“O processo de elaboração da construção do Palácio vem desde o período da Regência. Por isso, tivemos a atuação de um grande filantropo: José Clemente Pereira. A importância de Pereira foi tanta para a construção que o Salão Dourado, espaço mais imponente do prédio, abriga até os dias de hoje sua estátua do lado oposto à de Dom Pedro II”, destacou a historiadora.
O filantropo atuou junto à Santa Casa de Misericórdia e ao próprio imperador para angariar fundos para a obra – que veio a ser realizada na antiga Chácara do Vigário Geral, desonerando, assim, o Estado dos custos do projeto. Segundo críticos da época, os detalhes artísticos e técnicos da obra tornaram-na o “palácio neoclássico mais belo do país”.
O Império utilizou a construção do espaço, mesmo já tendo acontecido o rompimento com a Coroa portuguesa, como tentativa de apaziguar conflitos por meio de uma relação política mais próxima, homenageando Pedro II.
“Um patrimônio monumental já desde a sua criação, um símbolo do que vai se tornar o Segundo Reinado, não apenas com a criação de uma importante escola como o Colégio Pedro II, mas com outros espaços importantes. Isso além de toda a discussão que existe sobre a saúde mental no século XIX”, explica Queiroz.
Um espaço para os alienados
O Hospital Pedro II foi o primeiro da América Latina construído especificamente para atender os até então conhecidos como “alienados”, pacientes com transtornos psiquiátricos que pudessem ser curados. No espaço, os doentes não eram apenas isolados, mas tratados seguindo os preceitos médicos da época. A importância da inauguração foi tão grande que pacientes de outras províncias da corte e até mesmo de outros países vizinhos foram trazidos para tratamento.
Projetado inicialmente para seguir os modelos de hospitais mentais europeus que separavam os internos por gênero, idade, classe social e diagnóstico, o Hospital Pedro II esteve lotado desde sua abertura, impossibilitado de continuar com sua proposta inicial para tratamento de saúde mental. Já em 1858 eram cerca de 335 pacientes, número maior do que as 300 vagas que possuía. Muitos eram indigentes e enfermos abandonados às portas do prédio, entre eles pessoas escravizadas alforriadas para que os senhores não precisassem custear seu tratamento, membros do exército excluídos pela instituição e imigrantes.
De acordo com Queiroz, muitas personalidades brasileiras foram internadas no Palácio. O mais famoso é Lima Barreto, que escreveu Diário do Hospício após seus dois meses de estadia para tratar o alcoolismo. A passagem do autor pelo hospital pode ser consultada no acervo do Instituto de Psiquiatria (Ipub), que também fica no campus da Praia Vermelha. Lá existe parte da memória dos anos em que o Palácio Universitário abrigou o Hospital Nacional dos Alienados.
No fim do século XIX, outros espaços para tratamento de saúde mental foram surgindo no país, assim como instituições específicas para acolhimento de indigentes, ajudando a diminuir o número de internos e a procura por atendimento no Hospital. Porém, com as mudanças na cidade, a pouca valorização dos profissionais e o descrédito pelo trabalho realizado à época, os pacientes começaram a ser transferidos para outras instituições e, em 1944, o Hospício foi fechado.
Um lar para a ciência
Em 1949, em meio a uma longa obra para revitalizar a edificação até então abandonada, o prédio localizado na Avenida Pasteur passou a ser a sede da Universidade do Brasil, abrigando os cursos de Educação Física, Arquitetura e Farmácia. Com a obra concluída em 1952, sob a responsabilidade do reitor Pedro Calmon, o Palácio tomou a forma de ambiente voltado para o ensino, a pesquisa, as artes e a cultura.
Apesar de já existir desde 1920 como Universidade do Rio de Janeiro (URJ), somente em 1937 a instituição se tornou a Universidade do Brasil, após edição da Lei nº 452, que buscava transformá-la em vitrine para todas as outras instituições públicas de ensino superior a serem criadas futuramente. Queiroz afirma que existia a intenção da construção de uma cidade universitária – que ainda demoraria para se concretizar –, mas que a necessidade de abrigar a instituição fez com que o prédio fosse utilizado já na gestão de Eurico Gaspar Dutra.
A Reitoria passou por uma reestruturação e novos cursos começaram a se integrar à instituição. Outros espaços foram inaugurados, como a Biblioteca Pedro Calmon, que funciona até hoje.
“Há um momento de ruptura com esse passado com relação ao Hospital dos Alienados, mas a sua circulação interna ainda guarda resquícios desse monumento. Ao circular no interior do prédio, é possível perceber as grades e outros indícios que remetem a esse passado. Mas, como é um patrimônio, ele muda a sua função; inclusive, para a produção de educação e ciência, o espaço permanece relembrando sua história.”
Um palco de resistência
O Palácio Universitário foi cenário de grandes transformações sociais, econômicas e políticas que deixaram marcas profundas no país até hoje. Em 1965, já no contexto do autoritarismo da ditadura civil-militar, as universidades públicas brasileiras enfrentaram uma série de modificações, entre elas sua denominação – que passava, agora, a carregar o nome do estado ao qual eram vinculadas. A Universidade do Brasil tornou-se, enfim, a Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Um dos espaços mais importantes do Palácio Universitário é o Teatro de Arena Carvalho Netto, batizado em homenagem ao seu idealizador, o engenheiro e professor da instituição Raymundo Barbosa Carvalho Netto. Criado para receber manifestações artísticas e de ensino, o teatro viu surgir um dos mais importantes movimentos da cultura popular brasileira: a Bossa Nova.
Queiroz conta que em 1959 aconteceu o 1º Festival de Samba Session, evento precursor do movimento bossa-novista, com a participação de Tom Jobim, Baden Powell, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Nara Leão, Roberto Menescal e Norma Bengell. No ano seguinte o Teatro sediou a apresentação de A Noite do Amor, o Sorriso e a Flor, de João Gilberto, considerado o primeiro show de Bossa Nova no país.
“Temos também alguns movimentos importantes que aconteceram dentro do Palácio Universitário, especialmente no Teatro de Arena – não só a criação do movimento bossa-novista, mas também um símbolo de resistência à ditadura e de movimentação estudantil”, reforça a pesquisadora.
O teatro não foi só testemunha da força cultural brasileira. Viu também a repressão e a violência da década de 1960. Os anos de chumbo impactaram diretamente o dia a dia universitário, e o prédio se tornou um espaço de movimentação estudantil e resistência contra o governo militar. Em junho de 1968, o Teatro de Arena recebeu grande assembleia de estudantes que pedia uma audiência com o então reitor, Clementino Fraga Filho, reivindicando mais autonomia para a organização dos alunos. O movimento foi severamente repreendido pelas tropas da Polícia Militar e da Polícia do Exército. “Polícia só entra aqui se for para fazer vestibular”, afirmava Clementino Fraga, horas antes da invasão. Houve confronto e muitos estudantes foram presos, entre eles muitos professores que ainda trabalham na UFRJ. A data ficou marcada como o dia em que a Universidade perdeu sua autonomia durante os anos de chumbo.
Também na década de 1960, a sede da Reitoria da UFRJ foi transferida para a Cidade Universitária, na Ilha do Fundão, e os cursos foram lentamente seguindo o mesmo caminho. Com o tempo, o Palácio Universitário passou a abrigar apenas as quatro unidades de ensino já citadas no início da reportagem, além do FCC e do Sibi. Outras unidades estão também nos prédios ao seu redor, pertencentes ao campus Praia Vermelha.
Um lugar de afeto
Os espaços universitários também são lugares de vivências e afetos que tornam ainda mais enriquecedora a trajetória de estudantes, pesquisadores e profissionais. O Palácio Universitário é cheio desses locais, que ajudaram na construção de memórias não só históricas e institucionais, mas também pessoais para o público que transita pelos seus corredores.
Os azulejos tradicionais, o laguinho, os jardins abertos e arborizados, as janelas amplas e bem ventiladas: tudo se junta na construção de laços afetivos com o espaço. Amaury Fernandes, professor e ex-diretor da ECO, é um dos apaixonados pelos corredores do prédio e viu de perto sua transformação nos últimos anos – tanto do espaço físico quanto das pessoas que ali transitam.
“Em pouco tempo o espaço do Palácio Universitário que a ECO ocupa virou o ‘meu lugar’ na UFRJ. Desde que entrei na instituição, foi raro o dia em que eu não estivesse ali. Após assumir um cargo na Reitoria, eu ainda frequentava o Palácio duas vezes por semana em média. É uma sensação de pertencimento”, lembra.
Servidor da UFRJ desde 2006, Fernandes presenciou a expansão da Universidade com o aumento do número de vagas e a implementação da Lei de Cotas, que tornou o corpo estudantil mais heterogêneo, com diversas turmas ocupando o prédio e deixando suas marcas com o passar do tempo. Durante seus anos à frente da unidade, o professor também buscou resgatar a história do prédio com a revitalização do laguinho – local particularmente afetivo para os estudantes da ECO –, devolvendo sua função de espaço de convivência. Ele ainda participou, junto da equipe de restauro, da escolha da pintura da fachada em um tom de amarelo, que remete aos primórdios do Palácio Universitário.
Um patrimônio para o futuro
Completando, em 2022, 170 anos de sua inauguração, o prédio precisa de constante manutenção e orçamento próprio para isso. Segundo Maurício Castilho, coordenador de Preservação de Imóveis Tombados do Escritório Técnico da Universidade (Coprit/ETU), a restauração completa de todos os telhados e da fachada do prédio foi finalizada há dois anos, garantindo o funcionamento e a proteção contra chuvas de maneira adequada.
“O restante do edifício, porém, ainda precisa de intervenções, especialmente na parte elétrica, na restauração das esquadrias e na adaptação do prédio ao combate a incêndios e pânico”, enumera Castilho, ressaltando que recursos de acessibilidade também estão nos planos do ETU.
Em 2011 a Capela São Pedro de Alcântara, localizada no terceiro piso, sofreu um incêndio. Castilho afirma que o telhado do espaço foi reconstruído – entretanto, devido ao alto valor para a reconstrução da ala central da edificação, que inclui a capela, o projeto não foi totalmente concluído, embora exista a expectativa de captação de recursos para a obra.
A maior dificuldade para realizar as melhorias, de acordo com o coordenador da Coprit/ETU, é a falta de recursos para os investimentos necessários. A UFRJ conta com 15 prédios tombados e o governo federal não destina rubrica de orçamento específica para a manutenção desses espaços, que é muito mais custosa do que de edifícios mais novos, porque exige cuidados especiais.
Carlos Frederico Leão Rocha, vice-reitor da UFRJ, afirma que, no mundo inteiro, prédios históricos são destinados às universidades − como os conventos da Universidade de Siena, na Itália, e da Universidade de Castilla-La Mancha, na Espanha −, de maneira a garantir sua preservação. No entanto, recursos são destinados à manutenção dessas estruturas, contando com a ajuda de órgãos do patrimônio para adaptação a seu uso moderno.
“No Brasil, alguns dos prédios históricos são destinados às universidades. Outros, como o Museu de Belas Artes, são retirados delas. Em nenhum caso, infelizmente, o custo de manutenção entra na conta da destinação dos recursos. Os prédios são invisíveis ao poder público. Agora, para piorar a situação, as normativas acerca do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) foram alteradas, tornando impossível o uso da Lei Rouanet para conservação. É necessário sensibilizar as autoridades públicas para essa questão”, conclui.
Como chegar
O Palácio Universitário fica na Avenida Pasteur, nº 250, na Praia Vermelha. O campus também pode ser acessado pela Rua Lauro Müller, ao lado do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), ou pela Avenida Venceslau Brás, ao lado do Instituto Philippe Pinel.
É possível chegar diretamente ao prédio de ônibus ou carro, mas o estacionamento no local é limitado a veículos autorizados. Existem estacionamentos nas ruas e em locais privados no entorno. O metrô de Botafogo fica a menos de 2 quilômetros de distância – de lá, pode-se fazer uma caminhada ou pegar um ônibus até o Instituto.
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