No encerramento da série Vacinas, entenda por que outras medidas sanitárias ainda devem ser utilizadas em conjunto com a imunização
Por Carol Correia e Igor Soares – Fonte: www.ufrj.br
O Brasil é, tradicionalmente, uma referência quando o assunto é vacinação, com um programa de imunização reconhecido em todo o mundo e um Sistema Único de Saúde (SUS) capaz de fornecer à população o acesso gratuito a uma série de imunizantes nos mais diversos cantos do país. Uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em janeiro de 2021, no início da campanha de vacinação, apontou que quase 90% da população tinha intenção de se imunizar contra a covid-19. Até o início de outubro, mais de 72% da população adulta já tinha tomado a primeira dose, enquanto pouco mais de 45% já estava totalmente imunizada. Os números são animadores, mas será que justificam o relaxamento das demais medidas de proteção? Estar vacinado significa estar completamente livre do vírus?
Segundo Guilherme Werneck, professor do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva (Iesc) e nossa principal fonte durante todo o desenvolvimento da série Vacinas, a imunização é uma estratégia muito importante, mas sozinha ainda não é capaz de resolver o problema da alta transmissão que atravessa o país.
“A vacinação é uma tática de diminuição de riscos, tanto individuais quanto coletivos. Além dela, você vai adicionando outras camadas de proteção, com o objetivo de reduzir ainda mais as ameaças da doença. Precisamos do uso de máscaras de boa qualidade, da ventilação e evitar aglomerações. É necessário, portanto, ter ações de redução de transmissão, combinando estratégias para que possamos ter um resultado mais positivo”, ressalta.
Um dos exemplos mais usados para retratar o funcionamento das vacinas em consonância com outras formas de proteção é a analogia ao time de futebol, feita originalmente pela bióloga Natalia Pasternak. Durante todo o ano de 2020, o país ainda não tinha começado a aplicar imunizantes contra a covid-19. Os especialistas exaustivamente repetiam a necessidade de medidas não farmacológicas [defensores] para conter a transmissão da doença: utilização de máscaras, isolamento social, higienização das mãos com álcool em gel/água com sabão e, por fim, ventilação dos ambientes. Em uma analogia com um time em seu campo de defesa, estávamos desguarnecidos de um goleiro, mas ainda assim os defensores criavam uma barreira contra a proliferação do vírus, que tinha menos chances de invadir o gol – embora essa chance não fosse nula.
A partir de janeiro de 2021, com o início da imunização no país, um novo jogador passou a fazer parte da equipe. O goleiro [vacina] é uma peça fundamental para o funcionamento de um time, mas, sozinho, por mais qualificado que seja, não é capaz de impedir a derrota. Acreditando 100% na capacidade do novo jogador, muitos relaxaram os cuidados: aglomerações se tornaram mais constantes para uma parcela da população e muitos deixaram de usar máscaras.
Dessa forma, sem defensores, a tendência é de que os jogadores do time adversário passem a armar ataques com mais facilidade, e, assim, por mais que o goleiro tenha experiência e um bom histórico, as chances de levar um gol nessas condições serão muito maiores.
Já com uma defesa bem organizada e capaz de desarmar o oponente, cai drasticamente a probabilidade de jogadores adversários chegarem próximos à grande área. Isso não significa que um time com bons defensores e um ótimo goleiro seja invencível, mas, nesse caso, os riscos são bem menores. Assim também ocorre com a vacina e os demais cuidados, como usar máscara adequadamente, evitar aglomerações, priorizar ambientes ventilados e higienizar as mãos – tudo isso reduz a circulação do Sars-CoV-2.
Mesmo com o avanço da vacinação no Brasil, onde aproximadamente 72% da população adulta já está imunizada com a primeira dose, a taxa de contágio no país continua alta, e, por isso, outras medidas de segurança ainda são necessárias. Elas atuam como o sistema de defesa do time, desarmando o adversário [o vírus] e impedindo sua circulação. Saiba como:
Vacina
É o jogador mais importante da partida, pois reduz as chances de casos de covid-19 se converterem em hospitalizações e óbitos. No entanto, nenhum imunizante apresenta 100% de eficácia. Todas as vacinas utilizadas hoje no Brasil passaram por pesquisas científicas, com testes rigorosos de fases 1, 2 e 3, como explicado na primeira parte deste especial.
Máscara
É um dos defensores-chave para diminuir a circulação do vírus. A função principal da máscara é cobrir as saídas e entradas do Sars-CoV-2 no organismo. Assim, quem estiver contaminado espalhará em quantidades muito menores as gotículas e aerossóis; quem não estiver contaminado também terá menos chances de inspirar essas partículas. Os modelos mais eficazes são respiradores PFF-2
Distanciamento
Evitar locais onde há aglomerações, com pessoas muito próximas umas das outras, é fundamental para reduzir a transmissão. Se não for possível manter o distanciamento, no entanto, deve-se investir no uso de máscaras mais eficazes e priorizar ambientes ventilados, com janelas e portas abertas.
Ventilação
A ventilação de ambientes fechados reforça o time de medidas de prevenção que podem limitar a propagação da covid-19. O coronavírus pode se espalhar também por gotículas e partículas minúsculas de aerossóis, que tendem a ficar suspensas no ar durante horas, sobretudo em ambientes fechados e pouco ventilados. Dê preferência a lugares abertos.
Higienização
Por mais que a desinfecção de superfícies não seja mais preconizada como no início da pandemia, manter uma boa higiene é uma medida eficaz para evitar vários tipos de doenças infecciosas. Com a covid-19, a limpeza das mãos, seja com água e sabão, seja com álcool em gel, ainda é indicada em situações de maior exposição, como com a manipulação de máscaras.
Mas por que há vacinados que morrem?
Embora grande parte da população tenha aderido à vacinação no país, um pequeno grupo ainda tem receio e dúvidas sobre seus efeitos no mundo real. As pesquisas mais recentes, com mais de um ano a partir dos primeiros testes, mostram que os imunizantes protegem o indivíduo contra o agravamento da doença e, em alguns casos, induzem a um comportamento de transmissão diferente em relação aos não vacinados. Porém, a circulação do coronavírus ainda dá sustentação ao alto número de casos diários. As notas técnicas mais recentes do Covidímetro – instrumento de avaliação da situação epidemiológica produzido pela UFRJ – mostram que, no estado do Rio de Janeiro, a taxa de contágio ainda é superior a 1,19, com risco moderado/alto.
Recentemente, as mortes e internações por covid-19 de pessoas totalmente vacinadas, entre elas de famosos como o ator Tarcísio Meira e o compositor Nelson Sargento, fizeram surgir boatos sobre a ineficácia dos imunizantes. Werneck destaca que os óbitos não são totalmente inesperados, já que a vacina não é uma proteção completa – e tende a ter sua efetividade reduzida no grupo de idosos –, e a taxa de transmissão do Sars-CoV-2 ainda está em alta.
“É natural que você acabe tendo mais doenças em indivíduos vacinados, porque, com o avanço da imunização, praticamente não há pessoas não vacinadas. Quem não está vacinado corre muito mais risco, mas esses são poucos. Então, quando você vai ver no ambulatório, na enfermaria e no Centro de Tratamento Intensivo, pode ficar impressionado por ter muitas pessoas vacinadas – mas essa é a maior parte da população agora. É natural que isso aconteça. No entanto, o risco de desenvolver forma grave é muito maior em quem não foi vacinado”, destaca.
O fato de notícias recorrentes indicarem que “não vacinados são metade dos hospitalizados por covid-19” não significa que a vacinação não funciona. Pelo contrário: é preciso avaliar a quantidade relativa do número de hospitalizados dentro dos grupos de vacinados e não vacinados. Eventualmente, com uma cobertura vacinal próxima dos 100%, todos os hospitalizados por covid-19 já terão sido imunizados.
Avançar com a imunização é preciso
Com a cobertura vacinal de mais de 72% da população com a primeira dose e pouco mais de 45% com a imunização completa, o Brasil aplica, agora, a dose de reforço em idosos, imunossuprimidos e profissionais da saúde, além da vacinação de adolescentes de até 12 anos.
As pesquisas realizadas pela farmacêutica Pfizer mostraram que seu imunizante é seguro para os adolescentes, sendo a única a ter aprovação da Anvisa para utilização nessa faixa etária em todo o território nacional. Recentemente o Ministério da Saúde (MS) suspendeu a aplicação das doses desse grupo, para investigar se um óbito poderia ter ocorrido por complicações após a vacinação. Porém, após a conclusão de que a fatalidade se deu por uma doença prévia, o MS voltou atrás e retomou a imunização dos adolescentes.
Em setembro, a Pfizer divulgou que sua vacina também se mostrou eficaz e segura para crianças entre 5 e 11 anos, mas nenhum país começou a imunização desse público, aguardando a divulgação de mais estudos. Apenas Cuba vacina crianças menores de 12 anos atualmente, com o imunizante Soberana.
Werneck enfatiza que, embora crianças e adolescentes tenham menos risco de desenvolver a forma mais grave da doença, o risco ainda é considerável. Além disso, eles também participam da cadeia de transmissão do vírus.
“É possível que eles transmitam menos também, mas, se pensarmos na necessidade de algum grau de imunidade coletiva, principalmente para reduzir a transmissão, então precisaremos de alta cobertura vacinal em toda a população, e crianças e adolescentes são um grupo essencial para alcançar essa meta”, conclui.
A pandemia ainda não acabou. Mesmo vacinado, mantenha todos os cuidados para ajudar na sua proteção, de seus entes queridos e de toda a população.