Vice-reitor destaca necessidade de financiamento público das universidades

Em artigo no jornal O Globo, Carlos Frederico Leão Rocha também frisa importância da autonomia de gestão financeira

Por Assessoria de Imprensa da Reitoria – Fonte: www.ufrj.br

O vice-reitor da UFRJ, professor Carlos Frederico Leão Rocha, publicou, nesta segunda-feira (5/7), um artigo no blog Ciência & Matemática, do jornal O Globo, em que destaca a necessidade de financiamento público à educação superior e a importância da autonomia de gestão financeira.

A cobrança de anuidade de nossos alunos parece não ser uma estratégia socialmente saudável. Decisões nesse sentido terão um custo social ou um custo de administração muito mais elevado do que qualquer benefício que possam trazer. Ao mesmo tempo, as universidades brasileiras já vêm adotando em grande medida as estratégias de financiamento de suas atividades de pesquisa que estão presentes no resto do mundo.

Carlos Frederico Leão Rocha, vice-reitor da UFRJ

Entre as informações levantadas pelo vice-reitor, ele lembra que 70% a 80% dos recursos direcionados à pesquisa nas Universidades de Massachussetts e da Pensilvânia vêm de fontes governamentais.

Rocha afirma, ainda, que “as universidades paulistas têm um sistema que vem viabilizando um desempenho superior, que consiste em garantia de um percentual da arrecadação do estado. No momento, não há nada parecido no horizonte federal. No entanto, existe, hoje, no Congresso, a Proposta de Emenda Constitucional 24/2019, de autoria da deputada Luíza Caziani que permite um aumento da autonomia. Seria interessante nossos parlamentares olharem para ela”.

Leia na íntegra aqui ou abaixo.


A Necessidade de Financiamento Público à Educação Superior e a Importância da Autonomia de Gestão Financeira

Recentemente, a reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho, e eu publicamos o artigo “Universidade fica inviável” n’O Globo (1), onde argumentamos que, na atual situação orçamentária, as universidades federais, principais responsáveis pela produção de ciência e conhecimento no país, ficam inviáveis. Dada a reconhecida importância dessas instituições na formação de cidadãos e cidadãs, na interação com empresas em busca de inovação e na produção de ciência básica, é fundamental uma reflexão sobre a questão orçamentária e possíveis saídas para seu futuro, tão logo o país possa voltar a pensar nele.

Deve-se reconhecer que a Universidade não é um investimento barato. O último dado disponível no INEP, aponta que o investimento público direto em educação por estudante do ensino superior era de R$ 28 mil, cerca de quatro vezes maior do que o investimento por estudante no ensino básico. Há ponderações a serem feitas nesse caso. Em primeiro lugar, o maior custo do processo educacional é em recursos humanos. No caso do ensino superior, os recursos humanos estão dedicados não somente à formação de pessoas, mas também à pesquisa e extensão (conforme norma constitucional), os alunos de pós-graduação não são contabilizados no denominador, além desse investimento ainda estar abaixo daquele realizado nos países desenvolvidos.

Ao tratar do tema de financiamento, surgem imediatamente propostas de cobrança de mensalidades e a possibilidade de fontes alternativas de financiamento privado para as universidades públicas. Os proponentes se baseiam no comportamento das universidades norte-americanas que, no geral, apresentam uma combinação de recursos obtidos por anuidades, fundos patrimoniais, recursos privados para pesquisa e recursos públicos. Existem, no entanto, condicionantes e mal-entendidos que não permitem uma avaliação acurada dessa questão.

O primeiro mal-entendido é a ideia de que as universidades estadunidenses arrecadam recursos para pesquisas de fontes privadas e que as universidades brasileiras esperam as agências de financiamento público fornecerem recursos para essas atividades. Por um lado, uma averiguação do balanço de universidades do mundo yankee como University of Massachussetts e University of Pennsylvania nos mostra que 70% a 80% dos recursos direcionados diretamente à pesquisa vêm de fontes governamentais. Por outro, o mundo tupiniquim apresenta um conjunto de iniciativas que a aproximam bastante desse cenário. No caso da UFRJ, por exemplo, os recursos direcionados às fundações de apoio credenciadas superam aqueles do orçamento discricionário de investimento e custeio advindos do governo federal. Mais importante, parte expressiva desses recursos é originária de empresas privadas. Importante ressaltar a presença de parques tecnológicos em diferentes universidades, que visam justamente aproximar os processos de geração de conhecimento das atividades inovativas. Assim, nem as universidades norte-americanas são tão baseadas em recursos privados para pesquisa quanto se argumenta, nem tampouco as universidades brasileiras podem ser consideradas como tendo pouca inserção com o “mercado”.

Cabe, aqui, no entanto, o primeiro problema a ser levantado. Enquanto nos EUA é usual a manutenção e conservação dos laboratórios universitários com recursos arrecadados dessas fontes, nas universidades federais brasileiras, esse uso é bastante restrito em decorrência, primeiro, de uma legislação que dificulta a utilização desses recursos para o custeio das atividades e pagamento de custos indiretos; segundo, das negativas governamentais em ampliar os limites de gasto das universidades em decorrência das regras fiscais excessivamente restritivas, principalmente o que ficou conhecido como teto de gastos. Entretanto, é fundamental enfatizar que, em nenhum caso, o recurso de pesquisa é utilizado para outro fim que não o de financiar a própria pesquisa. Assim é tratado aqui, assim é tratado nos EUA.

Os fundos patrimoniais são a segunda fonte de recursos bastante propagada pelos críticos da dependência das universidades em relação ao orçamento público. De fato, algumas universidades estadunidenses apresentam cerca de 15% de seu financiamento proveniente desses fundos. Outras conseguiram, por intermédio do uso de seu patrimônio, financiar as atividades acadêmicas chegando até mesmo à isenção de mensalidade (2). No entanto, existem particularidades no caso norte-americano que o distanciam do brasileiro. Em primeiro lugar, está a questão tributária. Tanto no que se refere à tributação de lucros, mas principalmente na legislação de heranças, há, nos EUA, um forte estímulo a esse tipo de doação para fundos patrimoniais de universidades. Segundo, existe a tradição e as rotinas peculiares de cada sociedade. Se a questão tributária não ajuda o caso brasileiro, mais uma vez a legislação orçamentária vem criar obstáculos adicionais. As universidades brasileiras que mantiveram estratégias de obtenção de recursos próprios por intermédio do uso de seu patrimônio imobiliário, como é o caso da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Universidade de Brasília e da Universidade Federal de Juiz de Fora, ao incluírem previsão desses recursos, têm o aporte orçamentário reduzido pelo governo federal em decorrência do teto dos gastos e do fiscalismo que tomou conta do governo federal. Isso significa que há um desestímulo à busca de valorização do patrimônio das universidades.

Finalmente, vem a questão mais polêmica e, a meu ver, mais equivocada: o potencial das universidades de arrecadação de recursos por intermédio da cobrança de anuidades. É desnecessário afirmar que o teto dos gastos seria mais uma vez importante limitante a esse tipo de solução do financiamento, mas, nesse caso, ele não é o principal obstáculo. Inicialmente, cabe enfatizar que as universidades estaduais norte-americanas recebem substancial apoio público para complementação das verbas de mensalidades. No entanto, essa está longe de ser a única razão. A realidade brasileira mostra a incapacidade de pagamento por grande parte dos estudantes. dos estudantes. O gráfico abaixo aponta que 47% dos alunos da UFRJ provêm de famílias com renda total até três salários-mínimos. A pesquisa não permite calcular a renda familiar per capita, mas o programa de assistência estudantil do governo federal é direcionado aos estudantes com renda familiar per capita até um e meio salário-mínimo. Isso significa que são estudantes que, ao contrário, necessitam de rendimento adicional para se manterem na Universidade. Apenas 17% dos estudantes provêm de famílias com renda familiar superior a dez salários-mínimos. Os dados em questão sugerem que a cobrança de mensalidade não parece uma estratégia adequada para o financiamento das Universidades por acabar se tornando irrelevante. Apenas argumentos extremamente ideológicos de teor liberal podem persistir. Existem, contudo, questões adicionais a serem ponderadas que apontam para a importância de se incentivar a convivência, não presente no ensino básico, de indivíduos de diferentes estratos sociais na formação da cidadania e o papel que a universidade iniciou a cumprir com o estabelecimento de cotas (3).

Gráfico de distribuição dos estudantes de graduação por faixa de renda familiar

Em conclusão, a cobrança de anuidade de nossos alunos parece não ser uma estratégia socialmente saudável. Decisões nesse sentido terão um custo social ou um custo de administração muito mais elevado do que qualquer benefício que possam trazer. Ao mesmo tempo, as universidades brasileiras já vêm adotando em grande medida as estratégias de financiamento de suas atividades de pesquisa que estão presentes no resto do mundo. Os obstáculos ao aumento dessa participação se encontram muito mais nas restrições de manuseio do orçamento do que em qualquer tipo de vontade dessas instituições. A mesma lógica se reproduz no caso de uso de patrimônio e formação de fundos patrimoniais. As restrições ao funcionamento autônomo das universidades e a realidade tributária brasileira são as principais barreiras ao uso dessa forma de financiamento. Assim, a autonomia da gestão financeira parece ser a principal saída para o uso de estratégias alternativas. As universidades paulistas têm um sistema que vem viabilizando um desempenho superior, que consiste em garantia de um percentual da arrecadação do estado. No momento, não há nada parecido no horizonta federal. No entanto, existe, hoje, no Congresso, a Proposta de Emenda Constitucional 24/2019, de autoria da deputada Luíza Caziani que permite um aumento da autonomia. Seria interessante nossos parlamentares olharem para ela.

1-  https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/universidade-fica-inviavel.html

2- Exemplo do Chrysler Building, pertencente a The Cooper Union for the Advancement of Science and Art.

3 – Sugiro a leitura de meu artigo “O Custo da Integração”, https://oglobo.globo.com/opiniao/o-custo-da-integracao-21723265.

Carlos Frederico Rocha é Professor titular do Instituto de Economia e vice-reitor da UFRJ